Público - 23 Jun 06

Avaliação de docentes, discentes e parentes

Álvaro Pereira Athayde

Oque é uma escola do ensino terciário? É uma escola cujos alunos têm entre 18 e 24 anos. E será que uma escola do ensino terciário é uma universidade? Um instituto politécnico? Uma escola de ensino superior de outro tipo? Não! Porquê? Porque o que caracteriza uma escola do ensino terciário é a idade dos seus alunos, não os conteúdos que são ensinados. Complicado? Espero bem que não...
E o que é uma escola do ensino primário? É uma escola cujos alunos têm entre seis e 12 anos. E o que é uma escola do ensino secundário? É uma escola cujos alunos têm entre 12 e 18 anos. E o que é uma escola do ensino pré-primário? É uma escola cujos alunos têm menos de seis anos.
E será que o facto de uma escola ser do ensino primário tem alguma coisa a ver com os conteúdos que nela são ensinados e, repito, espera-se que aprendidos? Tem! Porquê? Porque há conteúdos que, por insuficiente maturidade psicológica, não podem ainda ser aprendidos por alunos do ensino primário, isto é, por humanos com idades entre os seis e os 12 anos.
Estas afirmações são importantes? Acho que sim. Porquê? Porque entre nós, em Portugal, se verifica a maior das confusões neste domínio, presumindo-se, erradamente, que o aumento do número de anos de escolaridade acarreta, necessariamente, uma melhor preparação dos alunos, o que é estatisticamente falso porque um aluno "aprovado", em 1955, no exame da quarta classe, tinha grande probabilidade de saber: ler, compreender o que tinha lido, escrever sem erros de ortografia, contar, executar as quatro operações aritméticas básicas quer com inteiros, quer com quebrados, resolver problemas, de alguma complexidade, envolvendo o uso dessas mesmas operações e também das diversas unidades de medida de comprimento, área, volume, peso, tempo e ângulo, e, ainda, de saber uma série de coisas, úteis ou inúteis, sobre Geografia e História. Um aluno "transitado", em 2005, do nono para o décimo ano de escolaridade tinha grande probabilidade de não possuir nenhuma destas competências.
Portanto, 50 anos depois, e com mais cinco anos de escolaridade, os alunos habilitados com a escolaridade obrigatória estão, estatisticamente, menos bem preparados do que antes estavam. Estas afirmações são verdadeiras? São. Mas, na dúvida, faça o leitor o favor de visitar as escolas e "testar" os alunos do nono ano, já que, tanto quanto é do meu conhecimento, não abundam os estudos académicos.
Que fazer então? Em primeiro lugar ser realista e materialista, isto é, reconhecer a realidade e materialidade dos factos que à nossa frente se encontram. Em segundo lugar abandonar o peregrino idealismo igualitarista que, de há meio século a esta parte, tem norteado a concepção do sistema de ensino. (E escrevi de há meio século a esta parte, porque isto não começou com o 25 de Abril.) Em terceiro lugar reconhecer que tão injusto é tratar diferentemente o que é igual, como tratar igualmente o que é diferente. Em quarto lugar reconhecer que, no esforço de combatermos a primeira injustiça (tratar diferentemente o que é igual), escancarámos a porta à segunda (tratar igualmente o que é diferente). Em quinto lugar distinguir as noções de número de anos de escolaridade e nível de conhecimentos, ou de competências, porque, como toda a gente sabe, há quem aprenda a andar de bicicleta numa hora, quem demore dias e quem não aprenda nunca!
Isto feito poderemos então, talvez, começar a debater a sério a concepção, construção, funcionamento e manutenção do sistema de ensino, avaliação de discentes, docentes e parentes incluídos. Assessor principal, Universidade de Coimbra