1.MUDANÇAS
CIVILIZACIONAIS. Em vários parlamentos,
desenrola-se actualmente uma vaga de
novas leis ordinárias que são profundas
revoluções dos pressupostos
antropológicos e éticos das instituições
da civilização do ocidente. Quando,
acerca da inviolabilidade da vida ("a
vida humana é inviolável" e "em caso
algum haverá pena de morte", diz a nossa
Constituição, art. 24º), se legisla
negando aplicar estes princípios aos
embriões humanos, sem que se prove que
esses embriões não são ainda "vida
humana" e apenas sob pretexto de que
cada mulher manda na sua barriga;
quando, em matéria de casamento se
altera por lei ordinária, e até simples
maioria parlamentar, o seu conceito
milenar de união entre um homem e uma
mulher, para degradar esse conceito numa
"genérica" associação entre duas (ou
mais, então por que não?) pessoas;
quando, porque a ciência descobre
processos biológicos da vida, se admite
com grande desenvoltura, à revelia de
maiores reflexões e debates, legislar
sobre a eufemística "reprodução
medicamente assistida", como faz o
Parlamento português, é caso para ficar
assustado.
2. A LEI DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA. É
precisa uma lei. Mas o Parlamento
decidiu legislar quase em segredo e
segundo posições partidarizadas.
Tratando-se de direitos fundamentais
ligados à vida humana, não pode bastar
uma aprovação por pequena maioria
partidária e às pressas. Para evitar a
parcialidade e a precipitação suspeitas,
muitos cidadãos (entre os quais eu
próprio) requerem um referendo. A
primeira reacção do Parlamento não
pareceu ser simpatizante do referendo,
como devia ser. Em democracia
participativa, o parlamento não pode, a
gosto partidário, recusar referendos. O
referendo enriquece a democracia, e por
isso não prejudica o Parlamento.
3. A AVALIAÇÃO DOS PROFESSORES. Todos
sabemos que são muito maus os resultados
do nosso sistema escolar. Ao longo
destes trinta anos, os Ministros da
Educação têm sido sempre os "bodes
expiatórios" (salvo seja) de todas as
culpas. Sempre a culpa é só do
Ministério; nunca dos professores, nem
dos pais, nem da sociedade civil. É isto
justo? Não, não é.
Mas, pensando bem, a
verdade é que o sistema escolar é
propriedade do Estado, criado, regulado,
administrado, fiscalizado pelo Estado. O
Estado manda tudo, e é assim que a
Constituição é interpretada pelos
defensores da escola pública, como
indispensável instrumento da
"socialização" das crianças e jovens
segundo uma ideologia politicamente
definida e necessária para todos. Só os
que podem pagar o ensino nas escolas
privadas têm a "liberdade" de se
escaparem a esta socialização de Estado.
Para não haver o risco da "guetização"
das crianças e jovens, os pais (que
nesta matéria não merecem confiança)
devem ceder o papel educativo escolar ao
Estado, em nome da tal "socialização"
igual para todos. E os professores devem
ser funcionários públicos. Logo, é justo
que os ministros da Educação afinal
sejam os responsáveis.
Contudo, sucede algo
de estranho: em vez de, como é tradição
dos ministros da Educação (com breves e
leves excepções), sofrer em silêncio o
respectivo calvário expiatório, de
repente a actual ministra parece apontar
também culpas aos professores. E mais:
diz que os pais devem poder contribuir
para avaliar os professores, o que pode
entender-se como querendo ainda
responsabilizar os pais. Tem razão a
ministra? Sim, claro que tem.
Mas se lhe damos
razão, voltamos a dar razão à inculpação
maior de todas, que recai sobre a
Constituição e as leis, sobre as
assembleias da República e os governos e
ministros da Educação anteriores, porque
tudo o que tem sucedido, inclusive as
práticas de professores (como por
exemplo reunir melhores alunos em turmas
e dar preferência de escolha de horários
aos professores mais antigos, aliás
práticas razoáveis) são perfeitamente
previsíveis e normais dentro da lógica
do sistema. Também os pais são forçados
a suportar o sistema. Ora, a lógica e a
administração do sistema é exclusiva
responsabilidade do Estado. É o Estado
que recruta os professores, como decidiu
fazer. É o Estado que estabelece a
carreira dos professores e as avaliações
dos Alunos. É o Estado que regula todo
os funcionamento das escolas. É o Estado
que administra e fiscaliza. Tudo como
ele quer.
Mesmo se os
sindicatos mandam demais, e ainda por
cima vivem de professores destacados
pelo Ministério, é culpa do Estado. Se
os alunos são indisciplinados
impunemente e os professores vítimas
impotentes, é culpa do Estado. Se os
alunos vão passando sem saber, é culpa
do Estado, que se deixa dominar pelo "eduquês"
da moda ideológica que se instalou
dominando as escolas superiores de
educação e a máquina do Ministério. Se
os professores são culpados, é também
como subordinados e vítimas; tal como os
pais, que agora alguns descobriram como
massivamente incompetentes e perversos
para poderem opinar sobre a avaliação do
serviço prestado aos seus filhos. Em
suma, tudo, no sistema escolar público,
é em última análise sempre culpa do
Estado.
4. SUGESTÕES. Daqui mando à senhora
ministra algumas sugestões. Reforme
Vossa Excelência todo o sistema de
ensino escolar. Descentralize e dê às
escolas autonomia de gestão, com regras
amplas e responsabilidade de resultados,
mas não as entregue corporativamente e
em exclusivo aos professores. Incremente
Vossa Excelência com apoios eficazes a
participação da comunidade educativa no
projecto de escola. Dê aos professores o
direito e a responsabilidade de ensinar,
disciplinar e avaliar os seus alunos,
sem lhes dificultar subrepticiamente a
aplicação das justas sanções e
reprovações, e jamais por veto dos pais.
Mande Vossa Excelência que se façam
exames externos aos alunos (únicos
formalmente independentes e iguais),
pelo menos no termo de todos os ciclos.
Mande que os resultados do ensino sejam
levados em conta na avaliação de serviço
dos professores e das escolas.
Estabeleça Vossa Excelência uma carreira
docente bem remunerada e exigente,
baseada em concursos que incluam provas
públicas de saber e competência, em
valor absoluto e em valor relativo,
competindo os professores justamente
entre si, quer para a admissão, quer
para a progressão. Fará Vossa Excelência
muito bem se der aos pais o direito de
também contribuirem com a sua avaliação
para a avaliação da escola e dos
professores, mas desde logo pelo direito
de escolha da escola. Isto é, devolva
Vossa Excelência a escola a quem ela
deve pertencer. Só depois poderá não
apenas regular, financiar e fiscalizar
(que mais não é preciso que o Estado
faça), mas, então sim, publicamente
ainda criticar e responsabilizar.