Diário de Notícias - 05 Jun 06

Referendo e Reforma

Mário Pinto

1.MUDANÇAS CIVILIZACIONAIS. Em vários parlamentos, desenrola-se actualmente uma vaga de novas leis ordinárias que são profundas revoluções dos pressupostos antropológicos e éticos das instituições da civilização do ocidente. Quando, acerca da inviolabilidade da vida ("a vida humana é inviolável" e "em caso algum haverá pena de morte", diz a nossa Constituição, art. 24º), se legisla negando aplicar estes princípios aos embriões humanos, sem que se prove que esses embriões não são ainda "vida humana" e apenas sob pretexto de que cada mulher manda na sua barriga; quando, em matéria de casamento se altera por lei ordinária, e até simples maioria parlamentar, o seu conceito milenar de união entre um homem e uma mulher, para degradar esse conceito numa "genérica" associação entre duas (ou mais, então por que não?) pessoas; quando, porque a ciência descobre processos biológicos da vida, se admite com grande desenvoltura, à revelia de maiores reflexões e debates, legislar sobre a eufemística "reprodução medicamente assistida", como faz o Parlamento português, é caso para ficar assustado.

2. A LEI DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA. É precisa uma lei. Mas o Parlamento decidiu legislar quase em segredo e segundo posições partidarizadas. Tratando-se de direitos fundamentais ligados à vida humana, não pode bastar uma aprovação por pequena maioria partidária e às pressas. Para evitar a parcialidade e a precipitação suspeitas, muitos cidadãos (entre os quais eu próprio) requerem um referendo. A primeira reacção do Parlamento não pareceu ser simpatizante do referendo, como devia ser. Em democracia participativa, o parlamento não pode, a gosto partidário, recusar referendos. O referendo enriquece a democracia, e por isso não prejudica o Parlamento.

3. A AVALIAÇÃO DOS PROFESSORES. Todos sabemos que são muito maus os resultados do nosso sistema escolar. Ao longo destes trinta anos, os Ministros da Educação têm sido sempre os "bodes expiatórios" (salvo seja) de todas as culpas. Sempre a culpa é só do Ministério; nunca dos professores, nem dos pais, nem da sociedade civil. É isto justo? Não, não é.

Mas, pensando bem, a verdade é que o sistema escolar é propriedade do Estado, criado, regulado, administrado, fiscalizado pelo Estado. O Estado manda tudo, e é assim que a Constituição é interpretada pelos defensores da escola pública, como indispensável instrumento da "socialização" das crianças e jovens segundo uma ideologia politicamente definida e necessária para todos. Só os que podem pagar o ensino nas escolas privadas têm a "liberdade" de se escaparem a esta socialização de Estado. Para não haver o risco da "guetização" das crianças e jovens, os pais (que nesta matéria não merecem confiança) devem ceder o papel educativo escolar ao Estado, em nome da tal "socialização" igual para todos. E os professores devem ser funcionários públicos. Logo, é justo que os ministros da Educação afinal sejam os responsáveis.

Contudo, sucede algo de estranho: em vez de, como é tradição dos ministros da Educação (com breves e leves excepções), sofrer em silêncio o respectivo calvário expiatório, de repente a actual ministra parece apontar também culpas aos professores. E mais: diz que os pais devem poder contribuir para avaliar os professores, o que pode entender-se como querendo ainda responsabilizar os pais. Tem razão a ministra? Sim, claro que tem.

Mas se lhe damos razão, voltamos a dar razão à inculpação maior de todas, que recai sobre a Constituição e as leis, sobre as assembleias da República e os governos e ministros da Educação anteriores, porque tudo o que tem sucedido, inclusive as práticas de professores (como por exemplo reunir melhores alunos em turmas e dar preferência de escolha de horários aos professores mais antigos, aliás práticas razoáveis) são perfeitamente previsíveis e normais dentro da lógica do sistema. Também os pais são forçados a suportar o sistema. Ora, a lógica e a administração do sistema é exclusiva responsabilidade do Estado. É o Estado que recruta os professores, como decidiu fazer. É o Estado que estabelece a carreira dos professores e as avaliações dos Alunos. É o Estado que regula todo os funcionamento das escolas. É o Estado que administra e fiscaliza. Tudo como ele quer.

Mesmo se os sindicatos mandam demais, e ainda por cima vivem de professores destacados pelo Ministério, é culpa do Estado. Se os alunos são indisciplinados impunemente e os professores vítimas impotentes, é culpa do Estado. Se os alunos vão passando sem saber, é culpa do Estado, que se deixa dominar pelo "eduquês" da moda ideológica que se instalou dominando as escolas superiores de educação e a máquina do Ministério. Se os professores são culpados, é também como subordinados e vítimas; tal como os pais, que agora alguns descobriram como massivamente incompetentes e perversos para poderem opinar sobre a avaliação do serviço prestado aos seus filhos. Em suma, tudo, no sistema escolar público, é em última análise sempre culpa do Estado.

4. SUGESTÕES. Daqui mando à senhora ministra algumas sugestões. Reforme Vossa Excelência todo o sistema de ensino escolar. Descentralize e dê às escolas autonomia de gestão, com regras amplas e responsabilidade de resultados, mas não as entregue corporativamente e em exclusivo aos professores. Incremente Vossa Excelência com apoios eficazes a participação da comunidade educativa no projecto de escola. Dê aos professores o direito e a responsabilidade de ensinar, disciplinar e avaliar os seus alunos, sem lhes dificultar subrepticiamente a aplicação das justas sanções e reprovações, e jamais por veto dos pais. Mande Vossa Excelência que se façam exames externos aos alunos (únicos formalmente independentes e iguais), pelo menos no termo de todos os ciclos. Mande que os resultados do ensino sejam levados em conta na avaliação de serviço dos professores e das escolas. Estabeleça Vossa Excelência uma carreira docente bem remunerada e exigente, baseada em concursos que incluam provas públicas de saber e competência, em valor absoluto e em valor relativo, competindo os professores justamente entre si, quer para a admissão, quer para a progressão. Fará Vossa Excelência muito bem se der aos pais o direito de também contribuirem com a sua avaliação para a avaliação da escola e dos professores, mas desde logo pelo direito de escolha da escola. Isto é, devolva Vossa Excelência a escola a quem ela deve pertencer. Só depois poderá não apenas regular, financiar e fiscalizar (que mais não é preciso que o Estado faça), mas, então sim, publicamente ainda criticar e responsabilizar.