Diário de
Notícias
- 12 Jun 05
Bombas de pobreza urbana começam agora a
explodir
Céu Neves
Uma bomba prestes a explodir. É como os especialistas caracterizam os guetos
que se formam na Área Metropolitana de Lisboa. Bairros degradados, famílias
numerosas e desestruturadas, educação e socialização feita na rua. Retratos
de uma pobreza urbana e que germina jovens revoltosos e sem perspectivas. A
bomba explodiu na sexta-feira na praia de Carcavelos, como já acontecera há
15 dias em Queluz. A acção policial, por si só, não evitará novas explosões,
defendem.
O "arrastão" em Carcavelos ou a onda de violência em que degenerou uma festa
africana no Monte Abraão, em Queluz, são acontecimentos diferentes mas
representam a cara e a coroa de um mesmo fenómeno de exclusão social. São
pessoas revoltadas pelas condições degradadas em que vivem, por uma escola
que exclui quem não se encaixa nos parâmetros, por fluxos migratórios mal
conduzidos, pela ausência de autoridade, nomeadamente dos pais e da escola.
Para o criminologista Barra da Costa, "basta uma faísca para que aquelas
pessoas demonstrem a sua revolta", sejam adolescentes, jovens ou adultos.
Acrescenta que a única admiração é de só agora ter atingido tais proporções.
"Os percursos de vida destas crianças parecem aliás confirmar a ideia de que
a pobreza se reproduz de geração para geração, isto se considerarmos que a
sua fraca escolarização e qualificação profissional, a precariedade dos seus
rendimentos e as condições habitacionais em que sobrevivem representam
desvantagens que, numa sociedade estratificada, com dificuldade poderão ser
ultrapassadas de modo a quebrar o ciclo reprodutivo da pobreza e da
marginalização, conclui João Sebastião, no livro Crianças de Rua, Modos
de Vida Marginais na Cidade de Lisboa. Acompanhou menores das
zonas ocidental (Buraca, Amadora, Benfica) e oriental da capital (Chelas,
Sacavém, Musgueira), da Margem Sul e Algarve.
Os jovens não deixam de aspirar a bens de consumo que outros da mesma idade,
o que obtêm através de práticas marginais. Uma "arte" para a qual foram
socializados na rua, sendo o gang um elemento integrador na
sociedade.
E se a escola e a família falharam, o sistema de promoção e protecção das
crianças e jovens em risco não "está a conter e a evitar que os
paradelinquentes entrem na criminalidade", conclui um estudo do Observatório
Permanente da Justiça, num trabalho coordenado por Conceição Gomes sobre a
Lei Tutelar Educativa.