Público - 24 Jun 03
Ir à Praia
Por JOSÉ VÍTOR MALHEIROS
Com o regresso do Verão e do calor regressa a liturgia dos longos e suados
engarrafamentos em direcção a praias superlotadas, onde é preciso estacionar o
carro sobre o mato e percorrer centenas de metros até à borda de água levando às
costas o guarda-sol, as toalhas, a geleira, o guarda-vento, as crianças, as
fraldas, as mudas de roupa, as bóias e o colchão.
Que as bichas intermináveis para a praia são uma tortura todos sabemos. O que
acontece é que as alternativas de transportes públicos são ainda mais penosas,
como ontem fazia notar uma reportagem publicada nestas páginas. Horas de espera
de pé, em locais sem condições (sujos, poeirentos, sem assentos, sem sombras,
sem água, sem instalações sanitárias) para entrar num comboio ou num autocarro à
cunha, abafado e malcheiroso que demora ainda mais tempo a levar-nos ao nosso
destino e cujas ligações irracionais obrigam a séries de transbordos que
multiplicam as esperas, os encontrões, o desconforto e reduzem as horas de lazer
que podemos passar de papo para o ar ou a chapinhar na água.
A frescura do mar e a placidez de uma sesta ao ar livre parecem compensar todas
estas amarguras e é por isso que, dia após dia, lá vamos nós, repetindo a via
sacra, jurando que nunca mais e sempre regressando.
O que não deixa de espantar é que, quando se interrogam os utentes dos
transportes públicos, se descobre que o seu sonho é poder deixar as "carreiras"
e os comboios e comprar também eles um carrito para poderem tornar-se
protagonistas dos engarrafamentos, andar às voltas à procura de estacionamento,
sofrer e transpirar de uma maneira um pouco mais burguesa. Um sonho que, a
concretizar-se, irá piorar os problemas de que eles e os outros sofrem.
Por que é que não exigem bons terminais de transportes, sombras, bebedouros de
água fresca, fontes a cheirar a flor de laranjeira, comboios e autocarros
espaçosos e confortáveis, com ar condicionado e casa de banho, espaço para os
sacos e as pranchas de surf, frequentes, em regime de vaivém entre a cidade e as
praias, com paragens nos locais que mais lhes convêm e que os deixem à beira dos
areais? Por que é que não exigem que o autocarro que vão apanhar seja decente? E
por que é que as autarquias não os proporcionam?
É evidente que nada disso iria resolver o problema dos engarrafamentos a curto
prazo, mas uma solução de qualidade desse tipo, ainda que localizada, teria o
mérito de demonstrar que o transporte colectivo pode ser mais confortável do que
o automóvel e poderia desviar algum tráfego dos carros particulares para outros
meios de transporte, mais humanos e mais ecológicos. Porque do que se trata não
é de encontrar a solução mágica e global que não virá nunca, mas de começar a
construir uma alternativa.
Que todos os utentes dos transportes públicos sonhem com um carro próprio não
admira, pois esta é a sua única esperança de aceder a um transporte confortável
- todos sabem que um carro pode ser confortável e todos sabem que os transportes
públicos quase nunca o são. Mas é precisamente por isso que é necessário mostrar
outras soluções.
Por que será que a administração central e local e as empresas nacionais até
conseguem atacar a (funesta) construção acelerada de dez estádios de futebol e
não conseguem proporcionar transportes decentes na época balnear (ou fora dela)?

|