Público - 7 Jun 03

Reforma das Pensões Põe França a Ferro e Fogo
Por ANA NAVARRO PEDRO, Paris

Até meio da semana, havia uma maioria clara em Paris: a dos parisienses que preferiam ir a pé para o emprego a terem de esperar um tempo indeterminado por um metro ou um autocarro sobrelotado, conduzidos pelo pessoal não grevista. Mas, desde ontem, a escolha tornou-se problemática: montanhas de lixo acumulam-se nas ruas da capital francesa, deitando um cheiro cada vez mais nauseabundo à medida que o calor aperta e que a greve do pessoal da limpeza se prolonga contra o projecto de reforma das pensões.

A adesão à greve começada na terça-feira contra esta reforma do Governo francês diminui todos os dias. Em contrapartida, os sectores mais afectados são também os mais visíveis: transportes públicos, aéreos e ferroviários, pessoal de limpeza urbana e professores (este últimos também em luta contra reformas específicas ao ensino). E à medida que o número crescente de funcionários volta a trabalhar, os grevistas mais radicais endurecem as acções de protesto: cortes de corrente eléctrica nas estações ferroviárias, ocupação de locais de trabalho, barragens nas estradas, "sit-in" nos carris dos caminhos-de-ferro, bloqueio de um porto marítimo e de uma refinaria, confrontos com a polícia num terminal de autocarros perto de Paris, actos de vandalismo contra uma dezena de delegações do patronato francês (MEDEF), intensificaram-se ontem em toda a França.

"Estamos cada vez mais violentos, porque temos a impressão de que o Governo recusa ouvir-nos", explicava um professor no bloqueio de uma refinaria. Uma nova jornada de greve geral está já marcada para terça-feira, dia de abertura do debate parlamentar sobre a reforma das pensões.

A crispação social em torno deste projecto provém dos medos profundos que ela suscita na sociedade francesa, afirma o sociólogo Xavier Gaullier numa entrevista ao semanário "Le Nouvel Observateur": "É necessário fazer uma reforma, todos os trabalhadores o sabem. (...) A tensão deve-se a um debate excessivamente técnico e financeiro que não aborda o essencial. Uma reforma destas devia ter em conta as mudanças que vai provocar nos ciclos da nossa existência profissional e pessoal."

O Governo de Jean-Pierre Raffarin terá cometido um segundo erro político: lançar três reformas de grande amplitude ao mesmo tempo - pensões, descentralização e ensino - provocando assim a conjunção de recusas, de medos e de crispações que se conjugam neste conflito social.

A luta pela terceira vida

Tanto os sindicatos, como a oposição de esquerda, concordam que a reforma das pensões é inevitável. A demografia francesa modificou-se profundamente desde a criação da caixa de pensões neste país, em 1945. A esperança de vida aumentou 20 anos, em média, no último meio século, e vai aumentar mais oito anos até 2040, para passar então sem dificuldade o cabo dos 80 anos. Simultaneamente, o crescimento demográfico desacelera, fazendo assim com que a população reformada aumente mais depressa do que a população activa a partir de 2005. As pensões deverão ser pagas durante mais tempo, a uma população maior, e com as quotizações de activos cada vez mais reduzidos.

A reforma do Governo propõe primeiro que os funcionários públicos passem a quotizar durante 40 anos, em vez de 37,5 anos, actualmente. Os trabalhadores do sector privado já quotizam 40 anos, desde a reforma de 1994. A partir de 2008, o período de contribuição aumentará progressivamente para 42 anos. A partir de 2020, deverá aumentar regularmente, proporcionalmente ao aumento da esperança de vida. É este ponto da reforma que focaliza todas as recusas. Os franceses, habituados a irem para reforma aos 60 anos, recusam diminuir o que Xavier Gaullier chama "a nossa terceira vida".

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