O casamento é a realização mais espantosa da
humanidade. A mais utilizada forma de transmitir a
existência e a única eficaz de transmitir a
civilização. Que duas pessoas tão diferentes
encontrem uma complementaridade fecunda para a vida
e, através da sua união, dêem substância e
continuidade à comunidade humana é sublime. Mais
ainda, uma descrição objectiva do que está implicado
na vida quotidiana de um casal mostra a qualquer
observador perspicaz que ele é formalmente
impossível. As núpcias que permanecem não são as
fáceis e sem problemas, porque essas não há. Todos
os casamentos são impossíveis. Alguns simplesmente
existem e persistem. Os casamentos que duram
constituem a realização mais espantosa da
humanidade.
O nosso tempo adicionou aqui uma dimensão. Em vez de
o considerar como ele é, um bem precioso, frágil e
essencial, decidiu procurar formas alternativas de
transmitir a existência e a civilização. Sempre
houve promiscuidade, adultério, divórcio, união de
facto, consequências directas da impossibilidade do
casamento. Esta é a primeira época que admira e
promove esses comportamentos, enquanto inova
furiosamente em contraceptivos e procriação
artificial. Além disso, desconfiando da capacidade
dos pais para ensinar os valores básicos, entrega ao
Estado ou ao mercado essa função. A doutrinação
ideológica, mascarada ou não de educação, e os
desenhos animados são as formas contemporâneas de
transmitir a civilização.
A consequência disto, outra novidade, é a aparente
derrocada conjugal. No caso português, a taxa bruta
de casamento em 2008 foi de 4,1 por mil habitantes,
metade da taxa de 1979 e pouco acima da taxa de
divórcios, 2,5 por mil, que quadruplicou nestes 30
anos. Os nascimentos fora do casamento subiram de
8,2% em 1979 e 14,7% em 1990 para 36,2% hoje. Muitos
interpretam estes números como a obsolescência do
casamento. Pelo contrário, o espantoso não é serem
tão negativos, mas ainda serem significativos.
Considerando a campanha cruel, esmagadora e
obsessiva que as últimas décadas moveram contra o
casamento, o que surpreende é que tenha resistido
como resistiu, e continue a ser a mais utilizada
forma de transmitir a existência e a única eficaz de
transmitir a civilização. A maior parte das
instituições assim atacadas desapareceu.
Filmes, revistas, séries e jornais, junto com leis,
políticas, discursos e programas, todos se uniram
para evidenciar o que sempre se soube: o casamento é
impossível. Não notam que, ao fazê-lo, serram o
tronco onde se sentam. Esta louca insistência nas
óbvias dificuldades matrimoniais, sem alternativas
válidas, só pode ter um resultado: a decadência
social. Não só a fertilidade atingiu na Europa
níveis de extinção da espécie, mas a solidão,
depressão, traumas infantis, agressividade, suicídio
chegaram a níveis patológicos. Os esforços do nosso
tempo para abandonar o casamento só conseguiram
destruir-nos.
Esta atitude tem as suas razões. Nasce da reacção a
um erro dos séculos anteriores, que por vezes
desequilibrou as duas dimensões do casamento. Nas
gerações precedentes, o elemento romântico e
emocional da união dos esposos foi frequentemente
secundarizado em favor da estrutura social. Os pais
combinavam os noivos porque casamento era, antes de
mais, futuro do clã, alianças genealógicas,
interesses de herança. Paixão, amor e sexo eram
exteriores ao vínculo nupcial. Não se deve exagerar
esta situação, porque a maioria dos casamentos
sempre foi normal, mas certos estratos enviesaram
neste sentido.
As gerações actuais caíram no extremo oposto.
Repudiam justa e fortemente este modelo mas
absolutizam a liberdade e emoções conjugais.
Desprezando o casamento de conveniência e as
alianças de clã acabam por abandonar o próprio
casamento. O fundamentalismo erótico anula a relação
ao primeiro obstáculo e chega a ridicularizar a
procriação. Este modelo é tão desequilibrado quanto
o anterior, mas, ao contrário dele, implica a
extinção da sociedade. Porque o casamento, mesmo
impossível, é o nosso único futuro.