Diário de Notícias - 31 Jul 08

 

O país precisa
Pedro Lomba

 

Todas as épocas, suponho, geram os seus grupos políticos dominantes, aqueles que impõem uma linguagem e um modo de ver a realidade. Os jornais popularizam esse domínio, a opinião pública interioriza e num ápice, sem darmos por isso, estamos todos a falar usando os mesmos padrões.

 

Nos anos 70, a política portuguesa era controlada por ardentes "revolucionários" que usavam a cassete típica e até meteram a "revolução permanente" na Constituição. Quando o cavaquismo iniciou a normalização do País, Portugal encheu-se de "optimistas" em deslumbramento com o progresso. O guterrismo apareceu depois para ser o período áureo dos "pedagogos": gente para quem os dramas nacionais eram psicoses que se resolveriam com conversa.

 

Neste Portugal em crise do ano da graça de 2008, podemos dizer que o grupo dominante na política pátria é o do "o País precisa". Abrimos um jornal ou uma televisão, almoçamos aqui e ali, falamos com um famoso ou um anónimo e todos sem excepção abrem as frases com "o País precisa". Portugal pode estar num beco complicado, mas não tem falta de gente que sabe o que "o País precisa". Na lógica do grupo "o País precisa", fazer política consiste em anunciar tudo o que "o País precisa" como se fossem evidências. O grupo anda espalhado pela esquerda e pela direita. O que o distingue não é tanto uma política definida, mas um método. Nunca deixa de dizer "o País precisa".

 

É o eng. Sócrates que disse anteontem "o País precisa de voltar à escola". É o empresário que adverte "o País precisa de produzir mais". É o esquerdista exclamativo que avisa "o País precisa de acabar com a desigualdade". É o direitista não menos exclamativo que esclarece "o País precisa de mudar de mentalidades". É o inconsequente que apela "o País precisa de todos". Sempre "o País precisa".

 

Ora sem dúvida que "o País precisa". E precisa precisamente disso tudo: educação, responsabilidade, produtividade e por aí fora. Em princípio ninguém discorda. O grande problema do grupo "o País precisa" é que define prioridades e nalguns casos os meios para as concretizar, mas não diz nem pensa como é que portugueses de vários contextos, profissões, vivências, classes sociais, ritmos de aprendizagem e adaptação, podem adquirir as "normas" de uma cultura social mais exigente e disciplinadora.

 

As reformas não nascem por silogismo. Queremos estudantes mais aplicados, trabalhadores mais produtivos, cidadãos mais responsáveis, mas a verdadeira questão é que tipo de programas, estímulos e instituições podem orientar e motivar pessoas muito diferentes a aprender melhor, a produzir mais e a responsabilizar-se pelas suas vidas? Num tempo que privilegia o concreto face ao abstracto, políticos que demonstrem esta sensibilidade partem em vantagem.