Optimismo, falta dele, confiança e também
ignorância José Manuel Fernandes
Não se transforma o estado de espírito de um país
com discursos e power-points.
Mas pode-se mudar o país quando se lhe fala verdade
e se é claro e coerente no rumo a seguir Otto von
Bismarck, o grande arquitecto da Alemanha moderna,
disse um dia que a "política é arte do possível". Um
dos economistas mais celebrados do século XX, John
Kenneth Galbraith, discordava. Para ele "a política
não é a arte do possível, antes a capacidade de
escolher entre o desastre e medidas impopulares".
Ora escolher entre o desastre e medidas impopulares
é muito mais difícil do que ir fazendo apenas o
possível, sobretudo quando o vento não sopra de
feição. E ele está adverso, são raros, muito raros,
os que acreditam que as coisas possam melhorar
apenas por ir fazendo o possível. Por muito injusto
que isso pareça para quem acha que já tinha servido
ao eleitorado doses suficientes de óleo de fígado de
bacalhau, é muito importante que, numa altura em que
os portugueses mostram um elevadíssimo nível de
pessimismo - e o pessimismo nem sempre é realismo, é
também meio caminho andado para que muitos desistam
ou deixem de acreditar em dias melhores -, se
enfrente a realidade em vez de a iludir.
Muitos políticos crêem que basta repetir palavras de
confiança para mudarem o estado de espírito da
opinião pública. Que terem sempre uma atitude
positiva é o segredo para que à sua volta as coisas
corram melhor. E têm razão, mas só em parte. Porque
há duas formas diferentes de encarar o optimismo, de
se ter auto-confiança (uma das virtudes sem as quais
não se pode ser líder).
Uma é a autocentrada em si mesmo. Mark Twain falou
dela assim: "Tudo o que é preciso na vida é
ignorância e confiança - com ambas tem-se sucesso de
certeza." Sucesso pessoal, naturalmente.
A outra forma de olhar para o optimismo é mais,
digamos assim, visceral: "Sinto que sou um
optimista; de resto, não me parece que tenha
qualquer utilidade ser-se de outra forma." Contudo,
o autor desta espécie de auto-retrato foi dos que
várias vezes, como político, deu aos seus eleitores
notícias bem difíceis de dar. Este optimista é o
mesmo que, num dia de Maio de 1945, se dirigiu aos
seus concidadãos para lhes pedir o que se julga que
não se pede mesmo ao melhor amigo: sangue, suor e
lágrimas. Ou seja, Winston Churchill.
O que é que torna esta segunda espécie de optimismo
diferente daquela que é mais autocentrada e não teme
a ignorância? Precisamente a sabedoria. Mais do que
a sabedoria: a coragem.
Um homem corajoso não é o que enfrenta águas
revoltas porque não sabe que estas são fatais: é o
que se lança a águas revoltas sabendo que estas
podem ser fatais, mas acredita em si e acredita que
tem de se lançar a essas águas revoltas em nome de
valores superiores. Esse homem, mesmo sendo um
político, mesmo podendo disfarçar, mesmo podendo
ziguezaguear, conhece o norte e inspira confiança
aos que o seguem, porque estes acreditam nele.
Por isso é que nos momentos de crise - que são
também janelas de oportunidade - as boas lideranças
são as que inspiram confiança, as que levam os povos
a acreditar que se está a seguir por um caminho
difícil, mas que isso é indispensável e há
esperança. A diferença, nessas alturas, não se faz
com discursos e actos simbólicos; faz-se quando se é
capaz de falar verdade, mesmo quando esta é dura.
A teoria económica, por exemplo, tem dado muita
importância à gestão das expectativas, porque no dia
em que os consumidores, os aforradores ou os
investidores entrarem em pânico, a economia
afunda-se. Só que a gestão das expectativas não se
decreta, não se inventa, não se alcança declarando
que este ou aquele pequenino passo, mesmo que
positivo, é "histórico", ou passando a vida a
proclamar que o fim das dores está à vista. O que
vale, nesses momentos, é sobretudo a percepção pela
opinião pública de que esses pequenos passos, ou até
os inevitáveis revezes, a percepção de que os
políticos - do governo ou da oposição - que pedem
"sangue, suor e lágrimas" também são capazes de os
dar e sabem por onde vão.
Por outro lado, e voltando a John Kenneth Galbraith,
nestas alturas de aflição deve ter-se presente que
"o Estado é o tipo de organização que, mesmo fazendo
mal as coisas grandes, também faz geralmente mal as
coisas pequenas". E coisas pequenas podem ser, por
exemplo, meter-se nos domínios da microeconomia.