Jornal de Negócios  - 25 Jul 08

 

O Estado da dívida
João Cândido da Silva

 

Mais de metade do ano já se evaporou. O Governo inscreveu, no relatório do Orçamento do Estado para 2008, uma previsão de receitas com privatizações próximas de mil milhões de euros mas, até agora, não realizou sequer um cêntimo. Ainda assim, o discurso oficial garante que a meta será alcançada. Pode ser que sim, mas a situação dos mercados não vai ajudar.

 

Nesta matéria de alienação de participações detidas pelo Estado, a conjuntura já esteve mais atraente. A crise financeira já tinha estourado e quebrado a confiança no investimento em acções quando a EDP Renováveis decidiu abrir o capital e pedir a admissão à cotação. Mas o sucesso nesta colocação não teve correspondência na valorização dos títulos a curto prazo. Num país pouco disponível para visões mais alargadas, o desempenho titubeante da Renováveis desde que se estreou em bolsa é um grão de areia na engrenagem das operações que o Governo ainda queira concretizar este ano.

 

De um eventual incumprimento dos objectivos quanto a proveitos alcançados através de privatizações não resultará directamente qualquer problema adicional para o controlo do défice. Fernando Teixeira dos Santos já sabe quais são os alçapões que estão abertos à sua frente. O abrandamento da economia será mais forte do que alguma vez o Governo previu e a desaceleração da cobrança fiscal já provocou reacções no quartel-general do Fisco. As ordens são para avançar sobre os contribuintes que estão em falta. Depressa e em força.

 

Sobre os efeitos indirectos, a conversa é outra. Os 900 milhões de euros projectados pelas Finanças como receitas de operações de privatização seriam uma bem-vinda aspirina para ajudar a atenuar as consequências da subida do preço do dinheiro na rubrica dos encargos com a dívida pública.

 

Tal como as famílias, também os cofres públicos estão a sofrer a pressão do aumento das taxas de juro. Caso se recorde que a baixa dos juros e o crescimento das receitas fiscais foram os dois principais parceiros da inconsistente consolidação orçamental que lançou o país numa ilusão de prosperidade, falhar o encaixe com a venda de acções da carteira do Estado é mais um sopro ameaçador sobre o castelo de cartas das finanças públicas.

 

A leitura do relatório que faz o ponto de situação sobre o sector empresarial do Estado permite mais algumas conclusões sobre a pressão da dívida que se encontra no perímetro público. Metade das necessidades de financiamento referem-se ao recurso ao crédito, o que significa perspectivas de pioras na saúde financeira do sector, provocadas pelo actual ciclo de aumento das taxas de juro.

 

Há indicadores globais que revelam melhorias, mas áreas de actividade como os transportes continuam a ser um sorvedouro de recursos, acumulando défices para os quais não houve mago que encontrasse uma solução. E, apesar das privatizações, o Estado não pára de aumentar o seu peso na economia. Até quando?