Uma sociedade que não valoriza os compromissos
duradouros também não valoriza nem promove a
natalidade
Foram recentemente aprovadas alterações legislativas
tendentes a facilitar o divórcio. Não se foi tão
longe como as propostas que pretendiam introduzir
(na linha da recente reforma espanhola) o chamado
"divórcio unilateral", que dependeria da simples
manifestação de vontade de um só dos cônjuges,
contra a vontade do outro, independentemente dos
motivos e mesmo que tivesse sido ele a violar os
deveres conjugais. Mas as alterações aprovadas vão
nesse sentido, uma vez que foi reduzida para um ano
(um prazo que começou por ser fixado nos seis anos e
foi, depois, reduzido para três) a duração da
separação de facto que torna possível uma forma de
divórcio que também acaba por ser unilateral.
Verificando-se essa separação, o divórcio será
decretado contra a vontade do cônjuge não requerente
e mesmo que tenha sido o cônjuge requerente a violar
os seus deveres conjugais (a violação dos deveres
conjugais deixa de ser relevante neste plano).
Além de outras questões que estas alterações
poderiam suscitar, impõe-se a reflexão sobre o sinal
e a mensagem cultural que acarreta, no nosso actual
contexto, uma reforma tendente a facilitar ainda
mais o divórcio.
No contexto europeu, o número de divórcios cresceu
50 por cento nos últimos 25 anos e hoje, em média,
um em cada dois casamentos termina em divórcio.
Embora Portugal se situe ainda abaixo dessa média,
dela se vai aproximando cada vez mais, e a taxa de
crescimento do número de divórcios é, entre nós, das
maiores da Europa (no referido período mais do que
duplicou).
Esta situação não deve ser encarada com indiferença,
como se estivessem em jogo meras opções individuais
sem reflexos sociais. Que se torne regra (e já não
excepção) a situação de as crianças não viverem com
ambos os pais não pode deixar de ter repercussões
socialmente nocivas, por muito que se procure
reduzir os danos (o que é louvável), ou por muito
que se procure (o que já não pode aceitar-se)
mascarar ou "branquear" a crueza dessa realidade.
São vários os estudos que comprovam essas
repercussões, designadamente os que retratam a
situação dos Estados Unidos, pioneiros na difusão
acentuada do divórcio (podem consultar-se alguns
deles em www.socialtrendsinstitute.org). O
crescimento exponencial do divórcio na Europa nos
últimos 25 anos, a consideração dos custos
emocionais, sociais e até económicos daí decorrentes
e a noção de que a estabilidade da família é um
verdadeiro capital social estão na base de um
documento recente da Comissão dos Episcopados da
Comunidade Europeia: Proposal for a Strategy of the
European Union for the Support of Couples and
Marriage (acessível em www.comece.org).
Por outro lado, também vai sendo reconhecido como
uma política de família não se confunde com uma
política de concessão de subsídios; é, antes de
mais, uma política cultural de valorização da
família.
Uma dimensão onde tal se revela de modo particular é
a da natalidade, talvez a mais grave das crises
sociais com que, numa perspectiva estrutural que vai
para além do imediato, se confronta hoje a Europa. A
natalidade não tem crescido mesmo nos países mais
generosos no âmbito da concessão de subsídios. Está
em causa uma mentalidade de desvalorização da vida.
Não é certamente o Estado que influi decisivamente
na criação dessa mentalidade, mas dele podem
emergir, desde logo pelos sinais e mensagens
culturais que difunde (ao colaborar, ou não, na
prática do aborto, por exemplo), importantes
contributos num ou noutro sentido.
Para além da valorização da vida em si mesma, a
valorização da estabilidade familiar, do capital
social que ela representa, é também uma importante
mensagem que o Estado e o seu ordenamento jurídico
podem difundir em ordem à promoção da natalidade.
Numa sociedade onde a assunção de compromissos
duradouros, que vão para além dos impulsos do
momento, não é valorizada e promovida, também não é
valorizada e promovida a natalidade. E tornar o
casamento o mais precário dos contratos (é a este
ponto que têm chegado as reformas que cada vez mais
têm facilitado o divórcio), facilitando ao máximo a
vida de quem não foi fiel aos compromissos que
assumiu, não transmite certamente uma mensagem de
valorização desses compromissos. São só eles que
permitem, de forma salutar e harmoniosa, renovar a
sociedade através da geração de novas vidas. Juiz