Público - 17 Jul 08

 

Foi você que falou de recessão?
Paulo Ferreira

 

O défice externo do país é tão grave quanto previsível. A cura? Uma recessão. Constâncio já o disse em Fevereiro de 2000

 

Dos números divulgados pelo Banco de Portugal na terça-feira, todos eles francamente maus, o que mais assusta não é o que nos diz que a economia vai, afinal, crescer muito menos este ano e no próximo. Nem aquele que nos diz que a inflação vai subir ou que as exportações vão desacelerar.

 

O que mais impressiona pela negativa é o défice externo da economia portuguesa, que vai atingir neste e no próximo ano valores que já não se viam há duas décadas e meia.

 

Em 2009, pelas contas do Banco de Portugal, os agentes económicos portugueses - bancos, famílias, empresas, Estado - vão pedir emprestado ao exterior o equivalente a 11,1 por cento do que vamos produzir.

 

Esta é a medida da nossa crise estrutural e dos nossos excessos do passado recente. Ou, se quisermos, é a quantificação da nossa incompetência colectiva das últimas décadas: de cada 100 euros que hoje gastamos só conseguimos pagar 88,9 euros com o que produzimos. O resto é comprado a crédito, obtido junto de bancos e empresas estrangeiras, na esperança de um dia aumentarmos a nossa produção e podermos amortizar as dívidas.

 

Este desequilíbrio externo é, de facto, assustador, como ontem disse António Borges em nome do PSD. E desaconselha, como sublinhou Vítor Constâncio, que a reacção à crise se faça com políticas expansionistas que provoquem aumentos do consumo, sejam elas a redução de impostos ou a distribuição indiscriminada de subsídios. Fazê-lo nesta altura seria tentar curar o excesso de álcool com mais bebida: por mais tentador que seja adiar a ressaca, o resultado final será sempre pior.

 

Soluções para corrigir este grave desequilíbrio, ampliado pela crise internacional? Um aumento rápido da nossa produtividade ou uma quebra repentina do nosso nível de vida.

 

Em relação ao primeiro, já não há espaço para a ingenuidade de acreditar. O país move-se muito mais lentamente do que os tempos actuais aconselham e o resultado está à vista e materializa-se num empobrecimento crescente.

 

Resta então a quebra do nível de vida, a redução do padrão de consumo, que já está em curso, embora a uma velocidade inferior ao que seria desejável. Parece cruel, mas é assim: a cura vai doer e quanto mais depressa o país corrigir este desequilíbrio mais depressa se prepara para se reformar verdadeiramente (acreditando ainda que é reformável).

 

Tudo isto tem tanto de grave como de previsível. Há oito anos, no seu discurso de tomada de posse como governador do Banco de Portugal, foi o próprio Vítor Constâncio quem chamou pelo tema do défice externo. Na altura o desequilíbrio não o preocupava demasiado e Constâncio via ainda possibilidade de tudo correr bem: "Se a economia estiver a crescer saudavelmente, com bons projectos, isso significa que tem produções competitivas e não existirão problemas de 'balança de pagamentos' a travar o nosso processo de convergência real com a Europa desenvolvida."

 

Como contraponto a este cenário optimista, apresentou outro: "Se, pelo contrário a economia estiver a crescer menos que os nossos parceiros e a importar muito mais do que exporta, revelando falta de competitividade, então a balança corrente externa pode ser um indicador de problemas, embora não seja ela própria um problema."

 

Foi este segundo caminho que Portugal percorreu, obviamente. E onde é que esse caminho nos levou? O próprio Constâncio o antecipou nesse discurso de Fevereiro de 2000: "Se e quando o endividamento for considerado excessivo, as despesas terão que ser contidas, porque o sistema financeiro limitará o crédito. O equilíbrio restabelece-se espontaneamente, por um mecanismo de deflação das despesas, e não têm que se aplicar políticas de ajustamento. A ressaca após um forte endividamento pode ter consequências recessivas." Esta recessão - que tecnicamente ainda não o é - adivinhava-se há oito anos e nada de relevante fizemos para a evitar. Surpreendidos com quê, afinal?