O défice externo do país é tão grave quanto
previsível. A cura? Uma recessão. Constâncio já o
disse em Fevereiro de 2000
Dos números divulgados pelo Banco de Portugal na
terça-feira, todos eles francamente maus, o que mais
assusta não é o que nos diz que a economia vai,
afinal, crescer muito menos este ano e no próximo.
Nem aquele que nos diz que a inflação vai subir ou
que as exportações vão desacelerar.
O que mais impressiona pela negativa é o défice
externo da economia portuguesa, que vai atingir
neste e no próximo ano valores que já não se viam há
duas décadas e meia.
Em 2009, pelas contas do Banco de Portugal, os
agentes económicos portugueses - bancos, famílias,
empresas, Estado - vão pedir emprestado ao exterior
o equivalente a 11,1 por cento do que vamos
produzir.
Esta é a medida da nossa crise estrutural e dos
nossos excessos do passado recente. Ou, se
quisermos, é a quantificação da nossa incompetência
colectiva das últimas décadas: de cada 100 euros que
hoje gastamos só conseguimos pagar 88,9 euros com o
que produzimos. O resto é comprado a crédito, obtido
junto de bancos e empresas estrangeiras, na
esperança de um dia aumentarmos a nossa produção e
podermos amortizar as dívidas.
Este desequilíbrio externo é, de facto, assustador,
como ontem disse António Borges em nome do PSD. E
desaconselha, como sublinhou Vítor Constâncio, que a
reacção à crise se faça com políticas expansionistas
que provoquem aumentos do consumo, sejam elas a
redução de impostos ou a distribuição indiscriminada
de subsídios. Fazê-lo nesta altura seria tentar
curar o excesso de álcool com mais bebida: por mais
tentador que seja adiar a ressaca, o resultado final
será sempre pior.
Soluções para corrigir este grave desequilíbrio,
ampliado pela crise internacional? Um aumento rápido
da nossa produtividade ou uma quebra repentina do
nosso nível de vida.
Em relação ao primeiro, já não há espaço para a
ingenuidade de acreditar. O país move-se muito mais
lentamente do que os tempos actuais aconselham e o
resultado está à vista e materializa-se num
empobrecimento crescente.
Resta então a quebra do nível de vida, a redução do
padrão de consumo, que já está em curso, embora a
uma velocidade inferior ao que seria desejável.
Parece cruel, mas é assim: a cura vai doer e quanto
mais depressa o país corrigir este desequilíbrio
mais depressa se prepara para se reformar
verdadeiramente (acreditando ainda que é reformável).
Tudo isto tem tanto de grave como de previsível. Há
oito anos, no seu discurso de tomada de posse como
governador do Banco de Portugal, foi o próprio Vítor
Constâncio quem chamou pelo tema do défice externo.
Na altura o desequilíbrio não o preocupava demasiado
e Constâncio via ainda possibilidade de tudo correr
bem: "Se a economia estiver a crescer saudavelmente,
com bons projectos, isso significa que tem produções
competitivas e não existirão problemas de 'balança
de pagamentos' a travar o nosso processo de
convergência real com a Europa desenvolvida."
Como contraponto a este cenário optimista,
apresentou outro: "Se, pelo contrário a economia
estiver a crescer menos que os nossos parceiros e a
importar muito mais do que exporta, revelando falta
de competitividade, então a balança corrente externa
pode ser um indicador de problemas, embora não seja
ela própria um problema."
Foi este segundo caminho que Portugal percorreu,
obviamente. E onde é que esse caminho nos levou? O
próprio Constâncio o antecipou nesse discurso de
Fevereiro de 2000: "Se e quando o endividamento for
considerado excessivo, as despesas terão que ser
contidas, porque o sistema financeiro limitará o
crédito. O equilíbrio restabelece-se
espontaneamente, por um mecanismo de deflação das
despesas, e não têm que se aplicar políticas de
ajustamento. A ressaca após um forte endividamento
pode ter consequências recessivas." Esta recessão -
que tecnicamente ainda não o é - adivinhava-se há
oito anos e nada de relevante fizemos para a evitar.
Surpreendidos com quê, afinal?