Jornal de Negócios - 16 Jul 08

 

Perdidos pelo consumo
Helena Garrido

 

A década está perdida. Os primeiros dez anos do século XXI traíram as nossas expectativas de prosperidade fácil e rápida. Hoje, no centro de uma crise internacional gravíssima, somos confrontados com um futuro que nos impõe menos idas às catedrais de consumo que proliferam pelo país e mais visitas ao mealheiro para ir pagando as dívidas.

 

Chegou a conta dos excessos cometidos desde a segunda metade dos anos 90.

 

A história dos nossos comportamentos económicos e financeiros nos últimos dez anos é semelhante à de uma família a quem disseram que tinha ganho o Euromilhões. Ainda sem o dinheiro, liberou a sua fúria gastadora. Os bancos acreditaram e emprestaram-lhe os milhões... e com eles se compraram casas, carros, férias que, diziam, eram só para os ricos. De repente descobriu que, afinal, não tinha ganho os milhões. Mas tem de pagar a dívida. Como? Vendendo o que tem e, se não tem, emigrando.

 

Poderiam os governos ter evitado este caminhar para o abismo que os economistas viram desde a primeira hora? Há a tese de que não, não poderiam ter feito nada. Como agora nada podem fazer para evitar a dor da crise.

 

É sempre mais fácil construir um caminho alternativo quando a história já passou. Mesmo sabendo isso, vale a pena pensar no que poderia ter sido feito e não foi. Desde que se tornou clara a integração de Portugal no euro, instalou-se uma euforia que atravessou toda a sociedade. Estado, empresas e famílias viram nessa moeda única a entrada no clube dos riscos. Todos se esqueceram que o país estava longe de ser rico.

 

Esse foi também o tempo da instabilidade política, governos sem maioria, como os de António Guterres, e de coligação, como o de Durão Barroso e Paulo Portas. E exactamente quando o país precisava também de maior restrição financeira vivia-se em tempos de grande generosidade internacional na concessão de créditos, que hoje se verifica excessiva.

 

O que se pode fazer agora para evitar esta crise? Por incrível que pareça, o melhor que se pode fazer é não fazer nada. Não porque não se pode fazer nada - é sempre possível actuar - mas porque nada fazer é neste momento a melhor política. Como afirmou o governador do Banco de Portugal, apenas se deve redistribuir.

 

Além de endividado, o país está mais pobre. E o que se pode fazer é apenas distribuir o bolo, mais pequeno, de outra forma. Taxas Robin Hood ou, à portuguesa, Zé do Telhado são soluções para o Estado arrecadar mais receitas para apoiar as pessoas mais afectadas pela crise. Esta é uma boa oportunidade para tributar rendimentos mais elevados tendo o cuidado de não agravar ainda mais a situação.

 

A preocupação que o PSD tem manifestado com os investimentos públicos integra-se nesta linha de evitar um maior agravamento do défice externo. O desequilíbrio nas contas externas aproxima-se de valores recorde, só comparável com o tempo em que Portugal teve de pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional. Com o euro não virá o FMI. Mas corremos crescentemente o risco de só conseguir crédito com taxas de juro cada vez mais elevadas, aumentando os encargos e obviamente agravando ainda mais o défice externo.

 

Estamos com uma trajectória explosiva que só pode ser evitada com menos consumo e mais poupança. De todos, famílias, Estado e empresas.