Estes hoje são os nossos filhos e dependem de nós.
Amanhã vão ser os nossos guardiões e dependeremos
delesConheço este fenómeno de violência física e
sociológica, que tende a ser repetitivo e
intencional sobre indivíduos incapazes de se
defender. Fala-se deste tipo de comportamentos e das
suas vítimas, sobretudo na adolescência. Contudo, a
novidade para mim foi encontrar o bullying em
crianças de 4 e 5 anos! Mas pode acontecer, como
pude constatar com o meu filho. E por isso pensei
equacionar algumas variáveis que podem ser
importantes na educação e desenvolvimento da
primeira infância.
São vários os estudos realizados sobre a influência
da sociedade e da cultura familiar na vida de uma
criança e no seu desenvolvimento desde os primeiros
dias de vida, ou desde o momento em que os pais
começam a exprimir os seus anseios e expectativas
sobre o feto na mulher grávida.
Piaget e Vygotsky, entre outros psicólogos,
desenvolveram teses sobre o desenvolvimento da mente
humana e do raciocínio lógico a partir da observação
de crianças e reconheceram a importância do contexto
social e familiar ou da cultura dominante no
processo de aprendizagem. De resto, é comum ouvimos
educadoras dizerem que ficam a saber muito do que se
passa em casa destas crianças apenas observando os
seus comportamentos na escola, porque eles espelham,
sem escamotear, uma aprendizagem que precedeu a da
escola.
A família, e depois a escola, são cruciais na
consideração do desenvolvimento educacional
primário. Custa ouvir que o tempo é curto para lhes
dedicar atenção, afecto e ensinamento. Bem sei que
vivemos numa sociedade de consumo a que resistimos
sem sucesso. Trabalhamos muito para dar o melhor aos
nossos filhos, mas é preciso ir questionando o que é
"melhor". O que é efectivamente preciso para sermos
felizes? Quanto é que (e o que é que) precisamos de
dar aos nossos educandos para que se desenvolvam da
melhor forma possível, intelectual e socialmente?
Estudos sobre a educação primária em países em
desenvolvimento mostram que o sucesso educacional
das crianças está intimamente associado a dois
factores cruciais: uma nutrição adequada e rica em
vitaminas e minerais e o ambiente familiar em que a
criança recebe os afectos e ensinamentos. Muitas
vezes, é muito mais importante o que os pais fazem
com as crianças do que aquilo que eles são. Num
estudo das Fundações Aga Khan e Bernard van Leer,
conta-se o sucesso do desenvolvimento de quatro
crianças filhas de uma mãe pescadora, que, depois de
muitas e longas horas de trabalho, regressa a casa e
convida os quatro filhos para a acompanharem na
preparação do jantar. Enquanto mexem nos peixes,
falando sobre as suas cores, qualidades, gostos, ela
passa-lhes ensinamentos importantes.
Mas é preciso ter atenção às coisas que ensinamos.
Há dias ouvi um pai ensinar o seu filho a nadar. O
pai dizia que nadar é ir mexendo os braços como se
se estivesse a afastar os outros meninos quando se
quer passar para a frente da fila! Se calhar o miúdo
aprendeu a nadar muito depressa, mas tenho dúvidas
quanto ao desenvolvimento das suas aptidões sociais
e intelectuais.
Por outro lado, não vale de nada dizer que é feio
bater nos outros meninos, se, à primeira
incapacidade nossa de resolver os problemas,
levantamos a mão e eliminamos a "malcriadice" com a
bendita palmada. A educação não se faz usando a
violência, mas dando bons exemplos e adoptando
atitudes coerentes e consistentes. A palmada resume
a frustração daquele que não sabe verbalizar o seu
desagrado e usa a violência para marcar um ponto.
Tudo o que ensinou ao filho foi que sempre que ele
quiser vincar o seu ponto de vista é legítimo que
use a violência.
O episódio felizmente resolvido do meu filho
ensinou-me que os pais devem estar atentos e
conversar muito com os seus filhos; devem,
sobretudo, assumir uma estreita relação de
cumplicidade na sua função educativa a par da
escola. Aos professores recomenda-se que revejam os
comportamentos "típicos" das crianças destas idades;
os manuais da psicologia infantil podem estar já
desactualizados.
O mundo de desafios de imagens, de violência, seja
ela sofisticada nos países mais ricos, seja primária
nos países mais pobres, a relação de afecto e de
carinho entre pais e filhos traz profundas
consequências na formação do ser humano. Estes hoje
são os nossos filhos, que ainda dependem de nós;
amanhã vão ser eles os nossos guardiões, e
dependeremos do produto que soubermos criar.