Público - 13 Jul 08

 

Bullying
Faranaz Keshavjee

 

Estes hoje são os nossos filhos e dependem de nós. Amanhã vão ser os nossos guardiões e dependeremos delesConheço este fenómeno de violência física e sociológica, que tende a ser repetitivo e intencional sobre indivíduos incapazes de se defender. Fala-se deste tipo de comportamentos e das suas vítimas, sobretudo na adolescência. Contudo, a novidade para mim foi encontrar o bullying em crianças de 4 e 5 anos! Mas pode acontecer, como pude constatar com o meu filho. E por isso pensei equacionar algumas variáveis que podem ser importantes na educação e desenvolvimento da primeira infância.

 

São vários os estudos realizados sobre a influência da sociedade e da cultura familiar na vida de uma criança e no seu desenvolvimento desde os primeiros dias de vida, ou desde o momento em que os pais começam a exprimir os seus anseios e expectativas sobre o feto na mulher grávida.

 

Piaget e Vygotsky, entre outros psicólogos, desenvolveram teses sobre o desenvolvimento da mente humana e do raciocínio lógico a partir da observação de crianças e reconheceram a importância do contexto social e familiar ou da cultura dominante no processo de aprendizagem. De resto, é comum ouvimos educadoras dizerem que ficam a saber muito do que se passa em casa destas crianças apenas observando os seus comportamentos na escola, porque eles espelham, sem escamotear, uma aprendizagem que precedeu a da escola.

 

A família, e depois a escola, são cruciais na consideração do desenvolvimento educacional primário. Custa ouvir que o tempo é curto para lhes dedicar atenção, afecto e ensinamento. Bem sei que vivemos numa sociedade de consumo a que resistimos sem sucesso. Trabalhamos muito para dar o melhor aos nossos filhos, mas é preciso ir questionando o que é "melhor". O que é efectivamente preciso para sermos felizes? Quanto é que (e o que é que) precisamos de dar aos nossos educandos para que se desenvolvam da melhor forma possível, intelectual e socialmente?

 

Estudos sobre a educação primária em países em desenvolvimento mostram que o sucesso educacional das crianças está intimamente associado a dois factores cruciais: uma nutrição adequada e rica em vitaminas e minerais e o ambiente familiar em que a criança recebe os afectos e ensinamentos. Muitas vezes, é muito mais importante o que os pais fazem com as crianças do que aquilo que eles são. Num estudo das Fundações Aga Khan e Bernard van Leer, conta-se o sucesso do desenvolvimento de quatro crianças filhas de uma mãe pescadora, que, depois de muitas e longas horas de trabalho, regressa a casa e convida os quatro filhos para a acompanharem na preparação do jantar. Enquanto mexem nos peixes, falando sobre as suas cores, qualidades, gostos, ela passa-lhes ensinamentos importantes.

 

Mas é preciso ter atenção às coisas que ensinamos. Há dias ouvi um pai ensinar o seu filho a nadar. O pai dizia que nadar é ir mexendo os braços como se se estivesse a afastar os outros meninos quando se quer passar para a frente da fila! Se calhar o miúdo aprendeu a nadar muito depressa, mas tenho dúvidas quanto ao desenvolvimento das suas aptidões sociais e intelectuais.

 

Por outro lado, não vale de nada dizer que é feio bater nos outros meninos, se, à primeira incapacidade nossa de resolver os problemas, levantamos a mão e eliminamos a "malcriadice" com a bendita palmada. A educação não se faz usando a violência, mas dando bons exemplos e adoptando atitudes coerentes e consistentes. A palmada resume a frustração daquele que não sabe verbalizar o seu desagrado e usa a violência para marcar um ponto. Tudo o que ensinou ao filho foi que sempre que ele quiser vincar o seu ponto de vista é legítimo que use a violência.

 

O episódio felizmente resolvido do meu filho ensinou-me que os pais devem estar atentos e conversar muito com os seus filhos; devem, sobretudo, assumir uma estreita relação de cumplicidade na sua função educativa a par da escola. Aos professores recomenda-se que revejam os comportamentos "típicos" das crianças destas idades; os manuais da psicologia infantil podem estar já desactualizados.

 

O mundo de desafios de imagens, de violência, seja ela sofisticada nos países mais ricos, seja primária nos países mais pobres, a relação de afecto e de carinho entre pais e filhos traz profundas consequências na formação do ser humano. Estes hoje são os nossos filhos, que ainda dependem de nós; amanhã vão ser eles os nossos guardiões, e dependeremos do produto que soubermos criar.