O ano em que as dificuldades chegaram à classe
média Sérgio Aníbal
Ao quinto ano de crescimento lento, a inflação e a
alta de juros colocou ainda mais famílias em
dificuldade
Salários quase parados e despesas com alimentação,
combustíveis e empréstimos sempre a subir alargaram
nos últimos meses o leque dos portugueses que sofrem
directamente o impacto de uma crise económica.
Em 2003, quando a economia entrou em recessão e a
taxa de crescimento caiu para valores negativos, os
problemas ficaram sobretudo concentrados nos mais de
200 mil novos desempregados provocados por
reestruturações de empresas e deslocalizações. Mas
agora, com a economia a crescer ainda lentamente, e
apesar do desemprego ter deixado de subir, a verdade
é que o número de prejudicados pela crise aumentou
substancialmente.
Uma parte significativa da classe média, muito
endividada e com elevados gastos em áreas como a
energia, a educação e a saúde, começou também a
ficar sem dinheiro para pagar todas as contas. Os
mais pobres, mesmo mantendo o seu rendimento,
ficaram ainda com mais dificuldades em garantir a
satisfação de necessidades básicas.
Por isso, não é de espantar que, embora a taxa de
crescimento seja agora superior ao que acontecia em
2003, os portugueses revelem, nos inquéritos
realizados pelo INE, a visão mais pessimista de
sempre em relação à situação financeira do seu
agregado familiar.
Petróleo, juros e pão
Quais as razões por trás deste cenário sombrio? Por
um lado, os efeitos importados de uma conjuntura
externa difícil e, por outro, as limitações
domésticas que ainda estão muito longe de ficar
resolvidas.
A crise financeira iniciada em Agosto do ano passado
nos mercados internacionais deu um grande
contributo: as taxas de juro nos mercados de crédito
começaram a subir e os portugueses, que na década
anterior tinham aproveitado os juros baixos e as
facilidades dadas pelos bancos para comprarem casa e
carro, estão agora a ver as prestações dos seus
empréstimos a subir dia após dia. A Euribor a seis
meses, que serve de indexante para muitos créditos
em Portugal, passou de 4,3 por cento há um ano para
5,1 por cento agora, uma diferença capaz de causar
muitos rombos nos orçamentos familiares.
Depois há o choque
petrolífero. No último ano, o preço do litro da
gasolina sem chumbo passou, em Portugal, de uma
média de 1,367 euros para 1,518 euros. Como as
famílias portuguesas estão entre as que gastam uma
maior parte do seu rendimento em combustíveis para
automóveis, o efeito desta subida de preços é
significativo para muitos portugueses. Estas duas
subidas de preços afectaram especialmente a classe
média.
Para os mais pobres, contudo, o que mais custou foi
o impacto da subida de preços nos bens alimentares.
Bens essenciais como o pão, o leite, o arroz, massas
e ovos registaram durante o último ano subidas de
preços superiores a 10 por cento, encurtando ainda
mais os orçamentos familiares mais baixos de
Portugal.
A inflação no país até tem sido mais moderada do que
no resto da Europa. O problema é que, em simultâneo,
como a economia ainda cresce pouco e o desemprego
está a um nível elevado, os salários não acompanham
as necessidades. O Governo mantém há sete anos
aumentos salariais abaixo da inflação para os
funcionários públicos e no resto da economia a
tendência é seguida. Em 2008, de acordo com a
Comissão Europeia, Portugal vai completar o terceiro
ano consecutivo de redução dos salários médios
reais, a primeira vez que tal acontece desde pelo
menos 1980.
Potencial ainda fraco
As perspectivas para o futuro próximo não são
animadoras. Um crescimento económico mais rápido que
levasse à redução do desemprego e à alta dos
salários não está, para já, no horizonte. Todas as
previsões para a economia portuguesa têm vindo, nos
últimos meses, a ser revistas em baixa. O próprio
Governo, que durante muito tempo apostou numa
variação do PIB superior a dois por cento, já baixou
a sua meta para 1,5 por cento. Ontem, o Núcleo de
Estudos de Conjuntura da Economia Portuguesa (NECEP)
da Universidade Católica reviu a sua projecção de
crescimento para este ano para 1,2 por cento. Para
2009, ninguém arrisca mais do que uma retoma
modesta.
Isto acontece porque Portugal, para além de sofrer
com o que se passa no resto do mundo - e em especial
na vizinha Espanha -, continua sem condições
internas que lhe permitam aspirar a um crescimento
maior. O consumo privado e o investimento estão
limitados pelo elevado endividamento e as
exportações variam, sem ganhos significativos de
quota internacional, ao sabor do ritmo da procura
proveniente da Europa. A OCDE, num relatório
recente, até elogiou as reformas feitas pelo
Governo, mas continua a apontar para um crescimento
potencial de apenas 1,5 por cento, um valor que não
permite sequer pensar no regresso à convergência com
a média europeia.