Entre 1914 e 1924, a última década que viveu, Franz
Kafka esteve três vezes perto do casamento. Desistiu
sempre. Tentou primeiro por duas ocasiões com Felice
Bauer, uma alemã com quem se correspondeu até 1917.
A última vez foi com Milena Jesenská, mais nova do
que ele. A experiência repetiu-se: Kafka escreveu
dezenas de cartas a Milena, todas primorosas e
lúcidas (as mais impressionantes cartas de amor)
para no fim reconhecer que não podia casar.
Passaram outras mulheres pela vida de Kafka, mas
todas lhe provocaram o mesmo medo do casamento, o
medo do sexo, o medo das pequenas coisas, o medo da
normalidade, o medo da falta de vocação, o medo de
não estar à altura da comunhão de responsabilidades,
o medo de parar de escrever.
Hoje em dia, os ideais de realização pessoal que
cada um vorazmente persegue secundarizaram o
casamento. O casamento é um estado acessório que
todos retardamos. As pessoas continuam a casar-se
numa ou noutra altura da vida, mostrando que a
normatividade social do casamento se mantém. O que
foi desaparecendo foi a ideia do casamento como uma
âncora individual, a estrutura estável onde as
paixões e os impulsos de cada um se domesticam. A
felicidade passou a depender de uma espécie de
emotivismo permanente, desligado de regras e
compromissos duradouros.
Mas no princípio do século XX o casamento era a via
natural para a felicidade. Kafka, por exemplo,
acreditava no casamento. Casar, ter filhos, criar
uma família, eram para ele as virtudes máximas a que
um ser humano podia aspirar. Pode ler-se numa
entrada dos seus diários, de 1912, que Kafka pensava
no casamento como a solução para a sua "inabilidade
em levar a vida sozinho", para satisfazer "as
exigências da sua própria pessoa". As irmãs
comentavam que todas as pessoas felizes que elas
conheciam eram casadas.
Ao mesmo tempo, a ambivalência de Kafka sobre as
suas próprias aptidões impedia-o de abraçar o
casamento. Chegou a comparar o noivado entre duas
pessoas a um casal condenado a decair em conjunto
durante a fase do Terror da Revolução Francesa.
Numa altura em que por causa do casamento entre
homossexuais iremos assistir aos mais variados
debates sobre a função actual do casamento, talvez
possamos perceber melhor o que é e em que consiste o
casamento, não pelo que dizem os seus defensores,
mas pelas ideias daqueles que voluntariamente o
recusam.
Eu suspeito de que atrás dos muitos motivos
invocáveis para essa recusa - a preferência por
uniões mais flexíveis, a substituição da comunhão
institucional pelo amor - acabaremos por confirmar
algo que a mentalidade da época não tolera ouvir:
que o casamento é mesmo uma instituição e não apenas
um contrato entre duas pessoas; e é como instituição
que deve ser protegido e incentivado.