Aliviar o jugo do petróleo Francisco Sarsfield Cabral
Não há nada mais eficaz de que o preço elevado da
energia para promover a maior eficiência no seu uso
O Presidente da República apelou à formação de
consórcios entre empresas portuguesas, espanholas e
italianas para investigar novas fontes de energia.
Entretanto, Portugal quer ter automóveis movidos a
electricidade. É um projecto da Renault-Nissan, para
o qual Sócrates solicitou à Comissão Europeia
autorização para conceder ajudas públicas acima do
normal.
E enquanto prosseguem os investimentos nas energias
eólica e solar, o primeiro-ministro assinou o
contrato de construção da Barragem do Baixo Sabor,
apesar dos protestos e de uma providência cautelar
de alguns ecologistas. O Baixo Sabor é uma das dez
barragens a construir nos próximos tempos, sendo que
também já foi assinado o contrato para reforçar a
potência do Alqueva.
Muito do que está a acontecer decorre, claro, da
brutal subida do preço do petróleo. Aliás, se desde
os choques petrolíferos dos anos 70 não se reduziu a
dependência mundial do petróleo no transporte
rodoviário, em parte foi porque nos Estados Unidos a
gasolina e o gasóleo pagam poucos impostos.
Combustíveis baratos não incentivam os fabricantes
de automóveis a optarem por grandes investimentos em
carros eléctricos, nem sequer em motores de baixo
consumo, tanto mais que tal não convém às empresas
petrolíferas. Talvez agora as coisas mudem,
finalmente.
O Governo português recusou cortar nos impostos
sobre os combustíveis para absorver parte da subida
do crude. Fez bem - mas não só, nem principalmente,
por causa das finanças públicas, ao contrário do que
se diz. Atenuar a subida dos combustíveis reduzindo
a carga fiscal sobre eles seria errado do ponto de
vista orçamental, decerto, assim como representaria
uma injustiça, ao pôr o contribuinte, gastasse pouca
ou muita energia, a financiar os consumidores. Mas o
mais importante não está aí. O pior seria impedir os
preços de cumprirem a sua função de sinais indutores
de novas atitudes e iniciativas.
Em Portugal, a alta do petróleo tem consequências
particularmente graves. Somos dos países europeus
que consomem mais energia por unidade de PIB. Mais:
enquanto na maioria dos nossos parceiros da UE a
intensidade energética tem vindo a diminuir, entre
nós ela aumentou.
A nossa dependência do petróleo é cerca do dobro da
média europeia. É certo que desde há dez anos
importamos gás natural em volumes crescentes. Mas o
preço do gás segue de perto o preço do crude.
É, assim, imperativo, por um lado, investir em
fontes energéticas alternativas. E, por outro,
aumentar drasticamente a eficácia com que utilizamos
a energia. Calcula-se que poderíamos reduzir em
cerca de 40% a nossa factura petrolífera se
conseguíssemos ter uma eficiência energética
semelhante à dos países europeus mais adiantados
nesta matéria. Ora não há nada como pagar cara a
energia para não a desperdiçar e para a usar com
maior eficácia.
Na indispensável promoção das energias alternativas
as barragens hidroeléctricas continuam a ser uma
área longe de estar esgotada em Portugal. Em anos de
muita chuva, a electricidade produzida nas barragens
representa perto de um décimo da energia primária
consumida no país e à volta de 20% da energia
eléctrica que gastamos. É preciso que estas
proporções aumentem, para aliviar o jugo do petróleo
caro.
Nada se faz sem custos. As barragens têm muitas
vezes inconvenientes ambientais. Mas também se
exagera: quando se construíram as barragens no
Douro, entre o Pocinho e a Régua, alguns previram a
degradação dos vinhos da região demarcada, dada a
maior humidade provocada por um leito do rio muito
mais largo. Ora os vinhos do Douro só têm
melhorado...
É preciso colocar num prato da balança os prejuízos
ecológicos decorrentes da construção de algumas
barragens (como é indubitavelmente o caso do Baixo
Sabor). Mas convém não esquecer o outro prato da
balança. Ou seja, os benefícios da energia
hidroeléctrica, desde logo para o ambiente: não
emite CO2. Na quarta-feira passada, o PÚBLICO
referia a possibilidade de a central térmica de
Sines, a maior do país, ter de suspender a produção
de electricidade, por causa do CO2.
E há ainda os benefícios de uma maior reserva de
água (um bem que se vai tornar cada vez mais
escasso) e sobretudo da redução da nossa enorme
dependência do petróleo. Com o barril de crude perto
dos 150 dólares, não são possíveis grandes dúvidas.
Jornalista