Público - 02 Jul 08

 

O que a descida do IVA é e o que não é
Paulo Ferreira

 

É: uma medida política com grande componente de propaganda. Não é: uma medida com motivações sociais, como demagogicamente se quer fazer crerDesde o seu anúncio que se percebeu que a descida da taxa máxima do IVA de 21 para 20 por cento era uma medida com demasiada política, muita propaganda e quase nenhuma economia.

 

Se dúvidas havia, Manuel Pinho encarregou-se ontem de as desfazer e de acrescentar um ingrediente de peso que lhe é familiar: a demagogia.

 

Decidiu o ministro da Economia deslocar-se a algumas superfícies comerciais "para mostrar que isto [redução do imposto] está a ter resultados". Não se sabe se está ou não a ter resultados, nem nunca se saberá. Daqui a um mês, quem vai verificar se os seis cêntimos cortados hoje num qualquer detergente ou os três cêntimos retirados numa tarifa de telemóvel não voltaram ao preço?

 

A experiência do passado mostra que estas reduções de impostos são, numa perspectiva optimista, repartidas entre comerciantes e consumidores. Numa visão realista, os comerciantes ficam com a quase totalidade na sua margem de lucro. Basta olhar para o que aconteceu há uma década com a passagem do IVA dos restaurantes e cafés dos então 17 por cento para a taxa de 12 por cento e com o comportamento dos ginásios no início do ano, quando o IVA foi cortado de 21 para 5 por cento - a propósito, que resultado tiveram as diligências anunciadas pelo Governo sobre este caso? O preço dos ginásios já baixou os 16 por cento, como devia?

 

Mas Pinho foi mais longe. Disse que "esta medida destina-se a ajudar os consumidores, sobretudo aqueles que mais necessitam", entrando em terrenos que um certo pudor político aconselharia evitar. Por uma razão muito simples: as taxas reduzidas do IVA (de 5 e 12 por cento, respectivamente) mantêm-se inalteradas e são essas que incidem sobre a generalidade dos bens de primeira necessidade. Aliás, estas taxas foram criadas precisamente para aliviar a carga fiscal das camadas menos abastadas, para quem faz muita diferença pagar um imposto de 5 por cento ou de 21 por cento sobre o leite.

 

Além do leite e seus derivados, também o arroz, os cereais e derivados, a carne e o peixe, as conservas, os ovos, o azeite e o óleo, as frutas e legumes, a água, os produtos farmacêuticos, a electricidade e o gás ou transportes públicos, para falar apenas de alguns bens e serviços, não são abrangidos por esta descida do IVA. Por uma razão: beneficiam de taxa reduzida.

 

Sejamos, portanto, honestos. Se a preocupação do Governo tivesse fortes motivações sociais, o IVA a reduzir teria que ser o das taxas reduzida e intermédia. São estas que incidem sobre a generalidade dos produtos com os quais os consumidores de rendimentos mais baixos fazem a maior parte das suas despesas. Mas a motivação principal não foi essa, como é bom de ver, e não vale agora a pena travesti-la daquilo que não é.

 

Quando anunciou a descida do imposto, no dia 26 de Março, Teixeira dos Santos apresentou-a como um "prémio" ao esforço dos portugueses pela consolidação orçamental e não como uma medida de cariz social. Passaram apenas três meses, mas a verdade é que desde então cresceu bastante a noção de emergência com a população mais desfavorecida, mais vulnerável a uma crise energética que se agudizou, à crise alimentar que provocou fortes subidas dos preços de bens básicos e à inflação que aumentou.

 

Estas dificuldades acrescidas são hoje uma realidade incontornável, o que não acontecia há três meses. Isto ajuda também a mostrar até que ponto o Governo foi surpreendido por elas, pela sua extensão e pelo potencial dramático que têm para as pessoas de rendimentos mais baixos.

 

As crises em curso ameaçam, de facto, provocar fortes danos sociais, aumentando o nível e a amplitude da pobreza. Mas isso não se combate certamente com descidas de um ponto percentual na taxa máxima do IVA, por mais que agora dê jeito afirmá-lo de forma gratuitamente demagógica.