O que a descida do IVA é e o que não é Paulo Ferreira
É: uma medida política com grande componente de
propaganda. Não é: uma medida com motivações
sociais, como demagogicamente se quer fazer
crerDesde o seu anúncio que se percebeu que a
descida da taxa máxima do IVA de 21 para 20 por
cento era uma medida com demasiada política, muita
propaganda e quase nenhuma economia.
Se dúvidas havia, Manuel Pinho encarregou-se ontem
de as desfazer e de acrescentar um ingrediente de
peso que lhe é familiar: a demagogia.
Decidiu o ministro da Economia deslocar-se a algumas
superfícies comerciais "para mostrar que isto
[redução do imposto] está a ter resultados". Não se
sabe se está ou não a ter resultados, nem nunca se
saberá. Daqui a um mês, quem vai verificar se os
seis cêntimos cortados hoje num qualquer detergente
ou os três cêntimos retirados numa tarifa de
telemóvel não voltaram ao preço?
A experiência do passado mostra que estas reduções
de impostos são, numa perspectiva optimista,
repartidas entre comerciantes e consumidores. Numa
visão realista, os comerciantes ficam com a quase
totalidade na sua margem de lucro. Basta olhar para
o que aconteceu há uma década com a passagem do IVA
dos restaurantes e cafés dos então 17 por cento para
a taxa de 12 por cento e com o comportamento dos
ginásios no início do ano, quando o IVA foi cortado
de 21 para 5 por cento - a propósito, que resultado
tiveram as diligências anunciadas pelo Governo sobre
este caso? O preço dos ginásios já baixou os 16 por
cento, como devia?
Mas Pinho foi mais longe. Disse que "esta medida
destina-se a ajudar os consumidores, sobretudo
aqueles que mais necessitam", entrando em terrenos
que um certo pudor político aconselharia evitar. Por
uma razão muito simples: as taxas reduzidas do IVA
(de 5 e 12 por cento, respectivamente) mantêm-se
inalteradas e são essas que incidem sobre a
generalidade dos bens de primeira necessidade.
Aliás, estas taxas foram criadas precisamente para
aliviar a carga fiscal das camadas menos abastadas,
para quem faz muita diferença pagar um imposto de 5
por cento ou de 21 por cento sobre o leite.
Além do leite e seus derivados, também o arroz, os
cereais e derivados, a carne e o peixe, as
conservas, os ovos, o azeite e o óleo, as frutas e
legumes, a água, os produtos farmacêuticos, a
electricidade e o gás ou transportes públicos, para
falar apenas de alguns bens e serviços, não são
abrangidos por esta descida do IVA. Por uma razão:
beneficiam de taxa reduzida.
Sejamos, portanto, honestos. Se a preocupação do
Governo tivesse fortes motivações sociais, o IVA a
reduzir teria que ser o das taxas reduzida e
intermédia. São estas que incidem sobre a
generalidade dos produtos com os quais os
consumidores de rendimentos mais baixos fazem a
maior parte das suas despesas. Mas a motivação
principal não foi essa, como é bom de ver, e não
vale agora a pena travesti-la daquilo que não é.
Quando anunciou a descida do imposto, no dia 26 de
Março, Teixeira dos Santos apresentou-a como um
"prémio" ao esforço dos portugueses pela
consolidação orçamental e não como uma medida de
cariz social. Passaram apenas três meses, mas a
verdade é que desde então cresceu bastante a noção
de emergência com a população mais desfavorecida,
mais vulnerável a uma crise energética que se
agudizou, à crise alimentar que provocou fortes
subidas dos preços de bens básicos e à inflação que
aumentou.
Estas dificuldades acrescidas são hoje uma realidade
incontornável, o que não acontecia há três meses.
Isto ajuda também a mostrar até que ponto o Governo
foi surpreendido por elas, pela sua extensão e pelo
potencial dramático que têm para as pessoas de
rendimentos mais baixos.
As crises em curso ameaçam, de facto, provocar
fortes danos sociais, aumentando o nível e a
amplitude da pobreza. Mas isso não se combate
certamente com descidas de um ponto percentual na
taxa máxima do IVA, por mais que agora dê jeito
afirmá-lo de forma gratuitamente demagógica.