Os não nascidos e os impedidos de nascer
D. Antonio Marcelino
A notícia, a principio bem discreta, só vinha em
poucos jornais, se comparada com o grande relevo
dado, sem recriminações, à desobediência dos
hospitais do Estado sobre os abortos já realizados.
“ Mais de 60 abortos só num mês e ainda sem lei” era
título do dia. Uma lei, como sabemos, que permite a
algumas mães, muitas a custas do erário público, que
mandem matar o filho que trazem no seio, se assim o
pedirem de harmonia com o que está determinado.
Antes da lei, já nada é ilegal. E isso não interessa
aos servidores do Estado que lhe dão cobertura e
retiram importância, não vão as coisas complicar-se
mais.
Diz a princípio a tal notícia discreta, depois já em
primeira página e devido relevo que “A natalidade
atinge em Portugal o valor mais baixo de sempre”, ou
que “Nascimento de bebés em 2006 é o mais baixo
desde que há estatísticas”. É o Instituto Nacional
de Estatística a fonte. O índice de natalidade foi
de 1,36, com tendência a descer e sem se ver saída
para situação tão preocupante, para quem ainda se
preocupa.
O país endoidou, está visto. E são os serviços
oficiais que adiantam, triunfantes, todos os dados
sobre os hospitais credenciados para abortar, os que
à revelia da lei se anteciparam à regulamentação, as
clínicas particulares autorizadas para o mesmo
efeito. Já se anunciam dez! São eles que garantem,
por fim, que onde houver médicos objectores de
consciência, são sempre os médicos “o problema mais
complicado”, está desde já assegurado que o aborto
se executará em qualquer outro sítio, público ou
privado. O Estado paga, ou seja, nós pagamos. Que
especiais deveres estes do Estado!...
As clínicas espanholas já estão a actuar e a
escolher, pressurosas, as cidades mais aptas para
facilitar o negócio e sossegar os governantes, os
partidos e os votantes do sim. Para já, Lisboa em
acção e Porto em preparação. Por cá, clínicas com
longa história e onde sempre se fizeram abortos,
agem agora com plena tranquilidade. O ministério já
fez cálculos ao preço e os outros publicaram, de
imediato e para que se saiba, as tabelas, segundo as
diversas modalidades abortivas. Coisa que não
acontece em nenhum outro caso clínico cirúrgico. É
preciso cativar a freguesia que se vai dispersar.
Onde estiver a imaginação e a perspicácia do
negócio, estará o poder de competir e triunfar.
Tudo isto merece uma leitura cuidada. O que se
previa está já aí à vista na praça pública. Adiante
se verá mais, que o tema não se esgota, nem
depressa, nem de vez.
Mas, se há muita gente eufórica com este triunfo de
uma cultura de morte que legalmente se implantou em
Portugal, sem que deixemos de denunciar o que muito
nos envergonha e em nada nos dignifica, há que unir
vontades e forças ante o decrescimento galopante da
natalidade, para que a vida possa triunfar e seja
sempre considerada o maior e o mais indiscutível dos
valores humanos, o único que é comum a todos.
Porque se manifestam tão pouco interessados, quer o
governo, quer a opinião pública, em encontrar razões
válidas para esta situação, em promover a natalidade
e em ajudar e exigir condições para que os casais
fecundos possam gerar filhos? Toda a gente diz que
gosta de crianças. Porém, os pais que têm coragem
para gerar filhos, se vão além de dois, são taxados
de insensatos. O fisco, atento às ofertas feitas,
ainda que esporadicamente e por vezes com
sacrifício, pelos pais que querem ajudar os seus
filhos, casais novos com filhos e dificuldades
acrescidas, logo se apressa a cortar o abono de
família das crianças com direitos, se a oferta
parece grande e sem se atender a de que maior é a
necessidade de quem a recebe. Para fazer bem já se
paga imposto!
Não se aprecia a vida nascente, a generosidade dos
familiares generosos e atentos, a estabilidade do
casal em dificuldade, as despesas necessárias com os
filhos, a coragem dos cidadãos mais sacrificados,
socialmente mais determinantes, castigados até por
terem filhos e por haver avós que os ajudam a
criar…Então, o que é agora verdadeiramente
importante neste país e para quem governa?
Temos de nos interrogar, seriamente, sobre um
problema tão grave, como actual.
O acomodar-se indiferente ante o drama das crianças
não nascidas ou impedidas de nascer é atitude
suicida, por mais que se diga o contrário. A
história anotará os novos criminosos.