Abortamento - agora vamos saber como é
Daniel Serrão
Estou muito surpreendido com o alarido de jornais e
televisões sobre a execução de abortamentos por
conta da lei e da sua infeliz regulamentação.
Eu julgava que o abortamento era um acto privado de
algumas mulheres que, por estarem em situação de
profundo desespero e por não terem quem as ajudasse,
recorriam clandestinamente ao vão de escada onde
lhes espetavam uma agulha de crochet e iam depois
para o Hospital, esvaídas em sangue, ou morriam em
casa desamparadas. Pelo menos foi isto o que sempre
ouvi dos defensores do Sim nos debates em que
participei defendendo o Não.
Afinal, não é.
É um “acto médico” banal e corrente, que vai ser
praticado aos milhares pelos Serviços de Obstetrícia
do Serviço Nacional de Saúde e a grande preocupação
é se os ditos serviços têm capacidade para atenderem
todas essas mulheres em tempo útil e em boas
condições técnicas.
Como sempre haverá alguns médicos que praticarão
abortamentos sem justificação nem indicação médica -
mas elogiem-se os muitos que, com o esperado
respeito pela sua dignidade profissional farão, em
cada caso, objecção de consciência à prática de um
acto que lhes repugna - temos aqui uma oportunidade,
infeliz mas incortonável, de conhecer, de facto, a
situação do abortamento em Portugal.
Será um case study, embora pelas piores razões. O
que se deve esperar é que cada acto de abortamento
seja devidamente registado como se se tratasse de
uma investigação clínica, cujos resultados irão ser
avaliados, cientificamente, ao fim de algum tempo.
Excluindo a identificação da mulher, tudo o mais
deve ser registado, nomeadamente a idade, estrato
social, nível de instrução, tipo de conjugalidade,
número de filhos, número de abortamentos já
efectuados antes, motivo invocado para solicitar o
abortamento, idade do feto, tipo de abortamento
praticado, tempo de internamento, avaliação pós
abortamento, física, psíquica e emocional.
Com os dados deste registo ficaremos todos a saber
de forma transparente e cientificamente rigorosa, o
quadro dos abortamentos em Portugal. Com base nestes
resultados será possível estruturar as acções de
prevenção, já que neste aspecto os partidários do
Sim e os do Não estão de acordo: o abortamento é um
mal absoluto e tudo o que se fizer para o combater é
um grande e positivo bem para as mulheres e para
sociedade.
À atenção da Direcção-Geral de Saúde, aqui deixo
esta proposta, que nem sequer custará dinheiro.