Ecclesia - 19 Jul 07

 

Abortamento - agora vamos saber como é
Daniel Serrão

Estou muito surpreendido com o alarido de jornais e televisões sobre a execução de abortamentos por conta da lei e da sua infeliz regulamentação.
Eu julgava que o abortamento era um acto privado de algumas mulheres que, por estarem em situação de profundo desespero e por não terem quem as ajudasse, recorriam clandestinamente ao vão de escada onde lhes espetavam uma agulha de crochet e iam depois para o Hospital, esvaídas em sangue, ou morriam em casa desamparadas. Pelo menos foi isto o que sempre ouvi dos defensores do Sim nos debates em que participei defendendo o Não.

Afinal, não é.

É um “acto médico” banal e corrente, que vai ser praticado aos milhares pelos Serviços de Obstetrícia do Serviço Nacional de Saúde e a grande preocupação é se os ditos serviços têm capacidade para atenderem todas essas mulheres em tempo útil e em boas condições técnicas.

Como sempre haverá alguns médicos que praticarão abortamentos sem justificação nem indicação médica - mas elogiem-se os muitos que, com o esperado respeito pela sua dignidade profissional farão, em cada caso, objecção de consciência à prática de um acto que lhes repugna - temos aqui uma oportunidade, infeliz mas incortonável, de conhecer, de facto, a situação do abortamento em Portugal.

Será um case study, embora pelas piores razões. O que se deve esperar é que cada acto de abortamento seja devidamente registado como se se tratasse de uma investigação clínica, cujos resultados irão ser avaliados, cientificamente, ao fim de algum tempo. Excluindo a identificação da mulher, tudo o mais deve ser registado, nomeadamente a idade, estrato social, nível de instrução, tipo de conjugalidade, número de filhos, número de abortamentos já efectuados antes, motivo invocado para solicitar o abortamento, idade do feto, tipo de abortamento praticado, tempo de internamento, avaliação pós abortamento, física, psíquica e emocional.

Com os dados deste registo ficaremos todos a saber de forma transparente e cientificamente rigorosa, o quadro dos abortamentos em Portugal. Com base nestes resultados será possível estruturar as acções de prevenção, já que neste aspecto os partidários do Sim e os do Não estão de acordo: o abortamento é um mal absoluto e tudo o que se fizer para o combater é um grande e positivo bem para as mulheres e para sociedade.

À atenção da Direcção-Geral de Saúde, aqui deixo esta proposta, que nem sequer custará dinheiro.