A alegria de viver de Zita Seabra é a melhor
celebração da liberdade e a mais profunda ruptura
com o universo soturno do comunismo
‘Foi Assim’ é o título do livro de Zita Seabra que
foi apresentado na semana passada, no Quartel do
Carmo perante vasta assistência, por Mário Soares,
José Pacheco Pereira e Carlos Gaspar. Foi uma
celebração da liberdade.
Zita Seabra conta as suas memórias desde que, aos 15
anos, aderiu ao partido comunista (em 1965) até que
deixou a ideologia comunista, em 1989 (tendo sido
expulsa em Maio de 1988). A principal mensagem que
insiste em transmitir é que, para romper com o
comunismo, é preciso compreender que não foi a (má)
prática comunista que distorceu os (bons) ideais
comunistas. A má prática foi apenas a consequência
dos maus ideais.
Qual é a natureza do mal comunista? Vários grandes
autores do século XX deram contributos para o
definir. Raymond Aron pôs a nu o ópio dos
intelectuais, uma ideologia totalizante que recusa
ser confrontada com os factos. Karl Popper denunciou
o dogmatismo historicista, gerador de um profundo
relativismo moral. Friedrich Hayek mostrou como
marxismo e nacional-socialismo eram duas expressões
de uma mesma atitude intelectual, hostil a uma ordem
livre e descentralizada.
Todos eles enfatizaram a hostilidade do comunismo
contra os modos de vida espontâneos das pessoas
comuns, enraizadas em instituições livres nas quais
se sentem confortáveis: a casa própria, a família, a
realização profissional, os hóbis, a religião. Estas
esferas plurais constituem uma reserva de liberdade
contra a vontade política sem entrave. Mas, acima de
tudo, elas constituem reservas de felicidade e
realização pessoal, independentes da manipulação
política.
Em meu entender, foi Michael Oakeshott, o filósofo
conservador inglês, quem melhor captou este núcleo
central da resistência ao totalitarismo comunista ou
nacional-socialista: a disposição para usufruir,
para desfrutar, para celebrar um modo de vida que é
o nosso e não foi centralmente desenhado. Oakeshott
disse residir aqui o segredo da liberdade ocidental.
Não sei se Zita Seabra concordará com Oakeshott. Mas
atrevo-me a dizer que ela é o melhor exemplo da tese
Oakeshotteana. Ao abandonar o PCP, Zita Seabra teve
a audácia de refazer inteiramente a sua vida.
Lançou-se na actividade editorial privada, de rara
qualidade; preservou a sua vida familiar intacta,
longe dos holofotes colectivistas da praça pública
(o que, aliás, muito bem faz também no seu livro);
refez e ampliou amizades; retomou a acção política
no PSD, a tempo parcial; finalmente, fez um percurso
privado de aproximação à religião cristã.
Esta alegria de viver e apreciar de Zita Seabra é,
em meu entender, a melhor celebração da liberdade e
a mais profunda ruptura com o universo soturno do
comunismo.