Segurança Social vai financiar directamente utentes
de lares, creches e centros de dia
Ana Cristina Pereira e Amílcar Correia
Novo modelo de comparticipações da Segurança
Social atenderá ao rendimento de cada um
O apoio do Estado às pessoas que
recorrem aos serviços e equipamentos sociais
(creches, lares de idosos, centros de dia, entre
outros) vai passar a ser efectuado directamente e em
função do rendimento familiar. Esta ideia de
diferenciação positiva consta do acordo de princípio
que o Ministério do Trabalho e da Solidariedade
Social hoje celebra, em Lisboa, com a Confederação
Nacional das Instituições de Solidariedade, a União
das Misericórdias Portuguesas e a União das
Mutualidades Portuguesas.
O acordo vai muito além da tradicional actualização
do valor das comparticipações da Segurança Social às
respostas sociais prestadas pelas instituições de
solidariedade social (2,9 por cento). Constitui
aquilo que o ministro da tutela, Vieira da Silva,
designa por mudança do "paradigma de relacionamento
do triângulo Estado-instituições-famílias". Procura,
sobretudo, "garantir mais igualdade de acesso aos
equipamentos sociais".
Agora, a comparticipação da Segurança Social faz-se
por cabeça. Por exemplo, o Estado paga 320,32 euros
mensais por cada idoso acolhido num lar de uma
instituição de solidariedade; um lar com 20 idosos
recebe cerca de 6400 euros por mês. No futuro, o
rendimento de cada idoso ali acolhido será
analisado. Em função dos montantes apurados, o
Estado comparticipará a totalidade ou apenas uma
parte do serviço que lhe é prestado.
A chamada diferenciação positiva neste tipo de
apoios por parte da Segurança Social já se
encontrava inscrita em vários programas de Governo e
em nada difere do princípio já aplicado no subsídio
a crianças e jovens, o popular abono de família,
distribuído por escalões e variável consoante o
rendimento familiar. Na opinião de Vieira da Silva,
não fazia sentido o Estado aplicar aquele critério
quando se trata de abono de família e não fazer o
mesmo quando o que está em causa é o recurso a uma
instituição com contrato com o Estado.
Falta definir regras claras sobre o modo como as
famílias serão apoiadas pelo Estado e sobre a forma
como estas irão colaborar no esforço de
financiamento das diversas respostas sociais. As
condições de aplicação do modelo, tal como o seu
acompanhamento, serão desenvolvidas pela Comissão
Nacional de Acompanhamento e Avaliação dos
Protocolos de Cooperação. Os trabalhos deverão
avançar em Setembro deste ano.
Completamente pacífico é o avanço para a avaliação
dos rendimentos das famílias. O apoio directo é que
"terá de ser muito bem ponderado", considera Lino
Maia, presidente da Confederação Nacional das
Instituições de Solidariedade. Parece-lhe "um pouco
perverso" o Estado dar o dinheiro aos agregados para
que estes paguem às instituições". Teme que tal
medida possa "pôr em causa a viabilidade dos
equipamentos".
Medida não é complexa,
diz ministro
Vítor Melícias, presidente da União das
Misericórdias Portuguesas, saúda o facto de se
tornar claro "que quem é apoiado pelo sector público
são os cidadãos integrados em famílias". Mas lembra
que o financiamento directo já foi testado numa
creche do Algarve com "maus resultados": as famílias
recebiam o dinheiro do Estado, mas não pagavam o
serviço à instituição. Menciona uma "cultura de
irresponsabilidade"que fará com que, nalguns casos,
o dinheiro tenha de ser entregue directamente à
instituição.
Vieira da Silva afasta qualquer complexidade na
aplicação da medida, já que a Segurança Social usa o
mesmo critério noutras prestações sociais. Maria de
Belém Roseira, presidente da União das Mutualidades
Portuguesas, também. "Sempre defendemos que as
famílias deviam ser financiadas e não as
instituições; o que se pretende é que o Estado
subsidie situações concretas e não vagas
abstractas", diz a antiga ministra da Igualdade. Se,
por exemplo, uma mãe toxicodependente recebe
dinheiro do Estado para pagar a creche do filho e
não a paga, então "é preciso ver se essa mãe deve
ter essa criança com ela em casa".
Maria de Belém elogia o acordo, nomeadamente por
este também envolver mais as instituições de
solidariedade na compatibilização entre a vida
familiar e a vida profissional. Não ignora que os
estabelecimentos do 1.º ciclo do ensino básico devem
agora manter-se abertos até às 17h30. Nele, as
instituições comprometem-se, por exemplo, a criar um
modelo de Centro de Actividades de Tempos Livres (CATL)
"que possibilite o funcionamento no início e no fim
do dia e interrupções lectivas, garantindo a
complementaridade desta resposta ao projecto
educativo da escola".