Na semana em que se celebra o
nono aniversário do referendo sobre o aborto livre e
praticamente dez anos de falhanços na tentativa de o
legalizar, o que mais nos impressiona a nós,
empenhados nas campanhas do Não, é como ainda hoje,
na sociedade portuguesa e entre os políticos, se
foge de olhar para o assunto de frente.
Sempre dissemos que o aborto
livre era uma resposta errada a um problema real e
concreto: a existência de uma vida humana digna de
protecção mas chegada numa gravidez indesejada ou
complicada. E que esse problema tinha uma solução:
estender a nossa mão e não apontar o dedo.
Pusemo-nos a caminho e fizemos experiência de como
isso era verdade. Contam-se às dezenas as
associações que fundámos (acolhimento a grávidas e
crianças, formação em educação sexual e planeamento
familiar, linhas telefónicas de apoio, etc.) e aos
milhares as pessoas concretas que ajudámos. Às
centenas as mulheres e crianças que acolhemos. De
todas as que desaconselhámos a abortar e no entanto
o fizeram, algumas procuraram-nos depois,
arrependidas. Das que ajudámos a ter um filho, ainda
nenhuma no-lo devolveu ou desistiu de o criar. Como
sempre todo o trabalho que desenvolvemos nunca
mereceu nenhuma atenção dos media. As boas notícias
não interessam.
Entretanto passaram por nós
governos e legislaturas de cores diversas. O assunto
nunca mereceu aos políticos, mais do que fogachos:
declarações eleitorais e algum empenho aquando de um
debate parlamentar. Medidas de fundo, apoios
concretos e interesse em conhecer a realidade não
fizeram a agenda de nenhum deputado ou governante
com algumas honrosas excepções. Não há neste momento
um partido ou um político sequer que esteja
disponível para dizer "e se tentássemos que as
pessoas não se encontrem em situações em que o
aborto se lhes apareça como uma hipótese?" ou "e se
assegurássemos a todas as mulheres portuguesas que é
um compromisso do Estado que todos os obstáculos à
gravidez serão removidos?" ou ainda "e se
tentássemos perceber mesmo qual a dimensão do
problema do aborto e que poderia dissuadir as
mulheres de abortar e terceiros de para isso as
empurrarem?".
O que aconteceu com esta última
pergunta, na Assembleia da República, nesta e na
anterior legislatura, é sintomático da
irresponsabilidade, inconsequência e demagogia, com
que a grande maioria dos políticos trata a questão
do aborto. Recuemos a 2002. Em Abril a deputada
Helena Roseta propõe um estudo sobre a realidade do
aborto clandestino e o cumprimento das leis
aprovadas em 1984. Após diversas negociações com a
maioria de então, é aprovada uma Resolução da
Assembleia no sentido de que se proceda a um
amplíssimo estudo não apenas sobre os números do
aborto, mas também sobre as suas motivações e as
formas adequadas de o evitar. Estávamos em Setembro.
Restava agora concretizar a questão. Mas durante um
ano (!) nada se passa.
Setembro de 2003. O assunto é
retomado na Comissão Parlamentar de Saúde. À boa
maneira da casa o assunto arrasta-se durante um ano.
Mas em Outubro de 2004, a decisão final é tomada, o
assunto entregue ao Conselho de Administração da
Assembleia. Inexplicavelmente e na sequência da
dissolução do parlamento em Dezembro, o assunto
morre ali. Nova Legislatura. Junho de 2004: o
assunto é retomado em Comissão de Saúde e apenas com
a abstenção do PCP, informado o Presidente da
Assembleia que o estudo deve mesmo ser levado por
diante. Desde então nem mais um passo...
No entanto, da necessidade de um
estudo independente, com excepção dos comunistas,
ninguém duvida. Pessoas e grupos favoráveis ao Sim
ou Não num possível novo referendo, todos a
subscrevem. A razão é simples. Se vier a existir um
novo debate referendário ninguém seriamente
empenhado neste problema, independentemente da sua
posição, pretende um festival de slogans, a
partidarização do debate ou um mero confronto de
paixões. Vamos primeiro certificar-nos da realidade
e depois esgrimir ideias? Não será o que se faria
num país decente? Por que espera a Assembleia da
República? Movimento Juntos pela Vida