Diário de Notícias - 13 Jul 05

 

Matemática é no ensino só a ponta do icebergue

francisco azevedo e silva

O s resultados do exame nacional de Matemática do 9.º ano confirmaram o que já todos sabiam o ensino da Matemática nas escolas portuguesas é escandalosamente mau.

O insucesso vai crescendo tranquilamente e o Ministério da Educação e os sindicatos dos professores, reconhecendo o desastre (óbvio), lá vão encontrando todos os anos razões conjunturais para os sucessivos piores resultados de sempre.

Andamos nisto há anos a fio.

Os números são elucidativos até à exaustão. Dos 85 mil alunos do 9.º ano que se estrearam no exame nacional de Matemática, 70% obtiveram nota negativa.

Ou seja, a esmagadora maioria desses alunos não tem os conhecimentos mínimos exigidos para a aprovação naquela disciplina. Não têm os conhecimentos mínimos, mas quase todos esses alunos foram considerados aptos a Matemática, pelos respectivos professores, na prestação feita ao longo do ano lectivo (como o exame nacional conta apenas 25% para a classificação final, 74% dos estudantes passaram a Matemática).

Os alunos estão a ser enganados, julgam saber o que não sabem.

O problema não está no exame nacional de Matemática, que foi certamente feito com responsabilidade e para ser acessível a alunos do 9.º ano com os conhecimentos mínimos exigidos naquela disciplina.

O problema não está também - por muito que a Federação Nacional de Educação queira realçar este ponto - no facto de ter sido a primeira vez que alunos e professores tiveram de realizar este exame. Nem as "condições atribuladas do início do ano lectivo" - invocadas pela FNE - podem justi- ficar minimamente o desastre ocorrido na prova nacional de Matemática.

Caso não fosse evidente a fraqueza de todas essas atenuantes, bastaria comparar com o que se passou no exame nacional de Português (77% obtiveram nota positiva), feito exactamente nas mesmas condições.

Aliás, a FNE, se invoca todas aquelas atenuantes, não deixa de reconhecer que "as margens de insucesso estão fora de tudo o que é normal na Europa e são sinais exteriores da ausência de medidas estruturais".

Incompreensível é o que pretende o Ministério da Educação, quando se limita a afirmar que as taxas de aprovação estiveram "em consonância com as classificações de frequência".

Na hora de tocar o alarme opta pela bonança.

É sabido que a Matemática é das disciplinas em que o traba- lho desenvolvido durante o ano lectivo mais pesa na aprendizagem do aluno e onde são mais difíceis as tentativas de recuperação apressada.

É uma disciplina em que o "improviso" só é possível se tiver havido trabalho prévio, um bom acompanhamento da matéria ao longo do ano, uma aplicação sistemática dos alunos e dos professores na avaliação dos conhecimentos.

É por isso que a Matemática é um bom barómetro para aferir a qualidade do ensino se "despejar" a matéria não é aceitável em nenhuma cadeira, a Matemática é daquelas onde esse "método" não chega sequer para uma preparação sofrível dos alunos; se com brandura os resultados são, em regra, fracos em qualquer disciplina, no ensino da Matemática a falta de exigência/disciplina tem prejuízos evidentes para o aluno.

Sendo a Matemática uma ciência exacta, será por isso fácil a um professor, a uma escola, a um Ministério da Educação acompanhar/avaliar a apreensão dos alunos do 9.º ano sobre a matéria constante no programa de ensino. Será fácil, se não estivermos a falar do ensino em Portugal.

Neste país, os alunos são ensinados e avaliados com brandura durante todo o ano lectivo.

O caso da Matemática é gritante, por ser das disciplinas em que os efeitos de um mau ensino são mais facilmente mensuráveis.

Mas a Matemática não é caso único da falta de rigor no acompanhamento/avaliação dos alunos.

Dos alunos e dos professores. Essa é, aliás, uma das razões do actual florescimento do mercado das explicações (que acentua as desigualdades entre os que têm capacidade financeira e os que não a têm) e da tendência crescente das escolas em responsabilizarem os encarregados de educação pelas deficiências de ensino dos filhos, quando a missão dos pais é educar, confiando o ensino à escola.

Em 2004/2005, a esmagadora maioria dos alunos do 9.º ano foi considerada apta a Matemática pela prestação ao longo de todo um ano lectivo. A maioria dos 85 mil alunos reprovou no exame nacional. Muito nos enganaremos se pensarmos que o mal dos alunos portugueses é a Matemática.

Esta é a ponta do icebergue, o que é facilmente visível. Tudo o resto continua escondido, disfarçado, por medir.

É bom que não tenhamos ilusões, se queremos mudar alguma coisa os parâmetros do ensino da Matemática não são diferentes dos exigidos para outras disciplinas.

 

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