Diário de Notícias - 1
3 Jul 05
Matemática é no ensino só a ponta do
icebergue
francisco azevedo e silva
O s resultados do exame nacional de Matemática do 9.º ano confirmaram o que já
todos sabiam o ensino da Matemática nas escolas portuguesas é escandalosamente
mau.
O insucesso vai crescendo tranquilamente e o Ministério da Educação e os
sindicatos dos professores, reconhecendo o desastre (óbvio), lá vão encontrando
todos os anos razões conjunturais para os sucessivos piores resultados de
sempre.
Andamos nisto há anos a fio.
Os números são elucidativos até à exaustão. Dos 85 mil alunos do 9.º ano que se
estrearam no exame nacional de Matemática, 70% obtiveram nota negativa.
Ou seja, a esmagadora maioria desses alunos não tem os conhecimentos mínimos
exigidos para a aprovação naquela disciplina. Não têm os conhecimentos mínimos,
mas quase todos esses alunos foram considerados aptos a Matemática, pelos
respectivos professores, na prestação feita ao longo do ano lectivo (como o
exame nacional conta apenas 25% para a classificação final, 74% dos estudantes
passaram a Matemática).
Os alunos estão a ser enganados, julgam saber o que não sabem.
O problema não está no exame nacional de Matemática, que foi certamente feito
com responsabilidade e para ser acessível a alunos do 9.º ano com os
conhecimentos mínimos exigidos naquela disciplina.
O problema não está também - por muito que a Federação Nacional de Educação
queira realçar este ponto - no facto de ter sido a primeira vez que alunos e
professores tiveram de realizar este exame. Nem as "condições atribuladas do
início do ano lectivo" - invocadas pela FNE - podem justi- ficar minimamente o
desastre ocorrido na prova nacional de Matemática.
Caso não fosse evidente a fraqueza de todas essas atenuantes, bastaria comparar
com o que se passou no exame nacional de Português (77% obtiveram nota
positiva), feito exactamente nas mesmas condições.
Aliás, a FNE, se invoca todas aquelas atenuantes, não deixa de reconhecer que
"as margens de insucesso estão fora de tudo o que é normal na Europa e são
sinais exteriores da ausência de medidas estruturais".
Incompreensível é o que pretende o Ministério da Educação, quando se limita a
afirmar que as taxas de aprovação estiveram "em consonância com as
classificações de frequência".
Na hora de tocar o alarme opta pela bonança.
É sabido que a Matemática é das disciplinas em que o traba- lho desenvolvido
durante o ano lectivo mais pesa na aprendizagem do aluno e onde são mais
difíceis as tentativas de recuperação apressada.
É uma disciplina em que o "improviso" só é possível se tiver havido trabalho
prévio, um bom acompanhamento da matéria ao longo do ano, uma aplicação
sistemática dos alunos e dos professores na avaliação dos conhecimentos.
É por isso que a Matemática é um bom barómetro para aferir a qualidade do ensino
se "despejar" a matéria não é aceitável em nenhuma cadeira, a Matemática é
daquelas onde esse "método" não chega sequer para uma preparação sofrível dos
alunos; se com brandura os resultados são, em regra, fracos em qualquer
disciplina, no ensino da Matemática a falta de exigência/disciplina tem
prejuízos evidentes para o aluno.
Sendo a Matemática uma ciência exacta, será por isso fácil a um professor, a uma
escola, a um Ministério da Educação acompanhar/avaliar a apreensão dos alunos do
9.º ano sobre a matéria constante no programa de ensino. Será fácil, se não
estivermos a falar do ensino em Portugal.
Neste país, os alunos são ensinados e avaliados com brandura durante todo o ano
lectivo.
O caso da Matemática é gritante, por ser das disciplinas em que os efeitos de um
mau ensino são mais facilmente mensuráveis.
Mas a Matemática não é caso único da falta de rigor no acompanhamento/avaliação
dos alunos.
Dos alunos e dos professores. Essa é, aliás, uma das razões do actual
florescimento do mercado das explicações (que acentua as desigualdades entre os
que têm capacidade financeira e os que não a têm) e da tendência crescente das
escolas em responsabilizarem os encarregados de educação pelas deficiências de
ensino dos filhos, quando a missão dos pais é educar, confiando o ensino à
escola.
Em 2004/2005, a esmagadora maioria dos alunos do 9.º ano foi considerada apta a
Matemática pela prestação ao longo de todo um ano lectivo. A maioria dos 85 mil
alunos reprovou no exame nacional. Muito nos enganaremos se pensarmos que o mal
dos alunos portugueses é a Matemática.
Esta é a ponta do icebergue, o que é facilmente visível. Tudo o resto continua
escondido, disfarçado, por medir.
É bom que não tenhamos ilusões, se queremos mudar alguma coisa os parâmetros do
ensino da Matemática não são diferentes dos exigidos para outras disciplinas.