Público - 11 Jul 05
portaria dos ministérios da saúde e da economia
Preço dos medicamentos poderá cair a pique até final do
ano
Joana Ferreira da Costa
Lei que reduz e revê cálculo do preço dos medicamentos
cairá como uma bomba no sector, obrigando os laboratórios a
reduzir todos os preços
O Governo prepara-se para fazer cair a
pique o preço dos medicamentos até ao final do ano. Além da
anunciada redução de seis por cento já a partir de Agosto,
quer fazer com que todos os medicamentos vendidos no país
tenham um custo inferior ao praticado em Espanha, Itália e
França. Este ajuste será feito de forma imediata até
Dezembro e no caso dos medicamentos inovadores é ainda
acrescido de uma redução de três por cento. A indústria
farmacêutica, em choque, defende que este pacote vai arrasar
o sector, sobretudo os laboratórios nacionais, e poderá pôr
em causa a introdução de medicamentos inovadores.
De acordo com a portaria dos Ministérios da Saúde e da
Economia e Inovação - a que o PÚBLICO teve acesso e que está
na iminência de ser publicada no Diário da República -, os
preços de venda ao público dos remédios deverão começar a
ser reduzidos em seis por cento a partir de 15 de Agosto.
Nesta descida está também incluída a redução das margens
fixas do armazenista (de oito por cento para 7,45 por cento)
e do farmacêutico (de 20 por cento para 19,15 por cento),
que são calculadas sobre o preço de venda ao público.
Mas o Governo vai mais longe: a mesma lei exige à indústria
farmacêutica que faça uma revisão dos preços, comparando-os
com os valores mais baixos dos mesmos remédios vendidos em
Espanha, França e Itália. Ou seja, obriga ao cumprimento da
lei actual que não era, na prática, aplicada, devido ao
congelamento de preços negociado pelo anterior ministro com
a indústria, através de um protocolo de contenção da
despesa, bem como a uma "lacuna" na lei.
No documento define-se que todos os medicamentos inovadores
que circulam no mercado com um preço provisório sejam
ajustados aos valores mais baixos praticados naqueles três
países de referência, que em muitos casos têm preços mais
baratos do que em Portugal.
Ao contrário do que a lei exigia até agora, o ajuste de
preço destes medicamentos deve ser feito de imediato. O
diploma revoga os artigos da Portaria 29/90, que definem uma
redução gradual dos preços em 10 por cento ao ano, obrigando
os laboratórios a mudar os preços de uma só vez. Se depois
deste cálculo os remédios com preço provisório continuarem a
ter um valor superior ao que resultaria da redução geral de
seis por cento (imposta a todos os medicamentos), será o
valor mais baixo que deve vigorar.
O mesmo ajuste é exigido a todos os medicamentos cujo preço
à chegada ao mercado nacional já foi comparado com o
praticado em Espanha, França e Itália. Como esse valor de
venda nunca mais voltou a ser revisto, não pôde beneficiar
da tendência de descida ocorridas em alguns destes mercados,
como é o caso de Espanha, onde foi anunciada uma descida
geral de preços de quatro por cento.
A lei exige que, nestes casos e até ao final do ano, os
valores sejam actualizados à luz dos "preços actualmente
praticados nos referidos países". A forma como este ajuste
será feito ainda não está definido, mas o diploma prevê que
tal aconteça até Dezembro. Segundo fonte da indústria
contactada pelo PÚBLICO, esta medida pode implicar "quebras
nos preços de alguns remédios que chegarão, em certos casos,
aos 50 por cento".
Laboratórios temem pelo
futuro da indústria nacional
Mas as medidas não se ficam por aqui. No documento, o
Governo estabelece que todos os medicamentos inovadores que
chegam a Portugal, além de terem de comparar o preço com
estes países, devem ainda ser sujeitos a uma redução de três
por cento. Estes produtos chegam ao país através dos
hospitais onde são introduzidos nos ensaios clínicos ou
através de uma utilização "especial", uma área onde a tutela
já tinha avisado que queria limitar os gastos.
Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete do ministro da Saúde
recusou-se a fazer quaisquer comentários, adiantando apenas
que "a portaria aguarda publicação imediata", mas que poderá
"teoricamente ser sujeita a alterações até à sua
publicação". Também contactada, a Associação Portuguesa da
indústria Farmacêutica (Apifarma) recusou fazer comentários.
Várias fontes de multinacionais e de laboratórios
portugueses afirmam que se a lei avançar tal como está será
"dramático para muitos laboratórios, mas sobretudo para a
indústria nacional". "As companhias internacionais, que
atribuem licenças à indústria nacional para produção e
comercialização de medicamentos deixarão de o fazer, devido
aos preços que deixam de ser competitivos e também deixarão
de lançar os produtos cá antes de o fazer noutros países".
Também o mercado de genéricos poderá ser ameaçado por esta
medida. "Se os preços vão descer desta forma, o impacte será
ainda maior na produção nacional de genéricos, já que por
lei estes produtos têm de ser 35 por cento mais baratos do
que os medicamentos de marca". Na prática, não compensará
para muitas empresas o lançamento do genérico, diz.
Por outro lado, a exigência de reduzir os preços à inovação
será prejudicial aos doentes. "Não haverá novos produtos a
entrar no mercado", queixa-se fonte da indústria
farmacêutica. "Quem é a empresa que aceita colocar o produto
no mercado que não só chega com o preço mais baixo da Europa
como ainda sofrerá uma redução de três por cento?", conclui.