Público - 20 Jul 03

Fuga de Adolescente Inglesa Relança o Debate Sobre Perigos dos "Chats" na Internet
Por ANDREIA SANCHES

O Reino Unido quer apertar o cerco aos adultos que utilizam "chats" na Internet - canais de conversação em tempo real - para seduzir crianças. Uma proposta de lei do Governo britânico apresentada esta semana no Parlamento prevê penas de prisão até cinco anos para os que usem a Net como forma de aliciar menores de 16 anos para encontros sexuais.

A proposta, que recebeu apoio de deputados de todos os partidos, prevê que a polícia possa intervir e prender um suspeito antes de se ter dado qualquer actividade sexual. A legislação poderá ser aprovada no Outono.

Em Portugal, "o direito penal ainda não foi tão longe ao ponto de criminalizar a conversa num 'chat'", explica Manuel Lopes Rocha, especialista em Direito da Informática que defende que só há, definitivamente, matéria para abrir um processo de investigação se, por exemplo, for usada linguagem obscena. "Quem actuar sobre menor de 14 anos por meio de conversa obscena pode ser punido com pena de prisão até três anos. Trata-se de um crime público que nem sequer depende de queixa", explica, acrescentando que é "muito difícil" actuar se o adulto que frequenta um "chat" se limita a marcar um encontro com um menor. "Pode ser um encontro inocente".

O debate no Parlamento britânico sobre a nova lei que tenta dificultar a vida dos pedófilos que usam a Net ocorreu na semana em que Shevaun Pennington, de 12 anos, foi a protagonista de mais uma "história de horror do século XXI", como lhe chamou uma colunista do jornal "Daily Mail". Foi num "chat-room" que a rapariga conheceu Toby Studabaker, um ex-militar norte-americano de 31 anos.

Durante um ano, mantiveram-se em contacto. No fim-de-semana passado, decidiram fugir. Encontraram-se em Manchester, onde ela vivia, e voaram para França. Na quarta-feira, ele acabou por ser preso na Alemanha e ela regressou a casa. Studabaker terá alegado que a jovem o enganou, dizendo-lhe que tinha 19 anos. Mas, segundo a BBC, o militar já tinha sido investigado, no passado, por comportamentos impróprios com menores, tendo os processos sido arquivados.

Uma sondagem divulgada pelo "The Guardian" revelou, recentemente, que mais de nove em cada 10 adultos do Reino Unido estão preocupados com a vulnerabilidade das crianças que acedem aos "chats". E o caso de Shevaun Pennington voltou a trazer a questão para os jornais. Não faltou quem apontasse o dedo aos pais, que permitiam que a filha passasse horas na Net. Mas o que podem, afinal, os pais fazer?

Pais desconhecem o que é frequentar um "chat" Em Portugal, a Polícia Judiciária emitiu, há alguns meses, um comunicado sobre o assunto dirigido, precisamente, às famílias. "O computador não é o único, nem o melhor amigo do seu filho; os amigos 'on-line' são, na realidade, completamente estranhos", começa por dizer-se.

"Estabeleça limites horários na utilização da Internet; o uso excessivo da Internet no período da noite é indício e potenciador do problema; garanta que os menores não divulguem 'on line' informação pessoal", continua a PJ. E acrescenta: "É no seio da família que se poderão detectar precocemente e prevenir com maior eficácia comportamentos de que as crianças possam ser vítimas no uso e através da Internet".

O problema é que muitos pais desconhecem o que é um "chat", não fazem ideia do que se pode passar num local onde pessoas de todas a parte comunicam, conversam, mas também trocam números de telefone e marcam encontros.

"Muitos pais não sabem, não estão por dentro desta temática, ouvem falar, claro, mas desconhecem o que é que implica frequentar um 'chat'. E muitos professores também são, eles próprios, incapazes de discutir o tema nas aulas, de exercer alguma influência. Há um grande desconhecimento em relação a estes meios", diz Albino Almeida, presidente da direcção da Confederação Nacional das Associações de Pais.

"O computador tornou-se um instrumento indispensável, a Internet também, mas é um instrumento silencioso, que não faz barulho como a antiga máquina de escrever", o que o torna ainda mais incontrolável, acrescenta Albino Almeida, pais de duas filhas de 10 anos que não usam o computador sozinhas porque, em sua opinião, "são novas de mais".

"Os pais têm de se responsabilizar", diz, por seu lado, Manuel Lopes Rocha. "Por que é que os pais se preocupam com as companhias que os filhos têm no bairro e não se preocupam com as companhias do mundo 'on line'? Se desconhecem esse meio, não deviam desconhecer, têm de se actualizar. Isto se querem acompanhar a educação dos filhos, porque a educação dos filhos é cada vez mais feita, e ainda bem, pela tecnologia", afirma o jurista.

Sobre se Portugal tem as lei necessárias para proteger as crianças na Internet, Lopes Rocha é cauteloso. "Há uma demonização da Internet que me parece excessiva. A polícia já tem feito recomendações aos pais, dizendo que é preciso ter cuidado com quem os filhos se relacionam na Net. Mas cada vez que há uma história destas [como a da jovem britânica] fala-se em crimininalizar, a lei é o instrumento que está mais à mão". Ainda assim, o jurista "estaria mais descansado se Portugal já tivesse os meios que a nova Convenção sobre o Cibercrime do Conselho da Europa já prevê", continua. 

Esta convenção, que ainda não foi transposta para o direito interno, facilita o controlo dos dados de tráfego, o que quer dizer, explica Lopes Rocha, "que um pai pode queixar-se de que os filhos estão sistematicamente a receber mensagens e a polícia pode intervir, controlando de onde é que vêm, quem manda, e por aí fora, para obter prova".

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