Público - 2 Jul 03
Bases Novas na Educação
Por JOSÉ MANUEL FERNANDES
A Assembleia da República aprecia hoje a proposta de lei de Bases da Educação. A
actual legislação data de 1986, pelo que a sua revisão era imperiosa. Mais: era
urgente. Por isso não há motivos para defender que o facto de a proposta do
Governo ter entrado há apenas um mês no Parlamento desaconselhe a sua imediata
votação. Assim como é disparatado defender que o momento é mau porque estamos em
época de exames. Na verdade, se há tema que está permanentemente na agenda
política e é objecto de constante debate, essa tema é a educação.
Debatem-se as universidades, a sua autonomia, o seu financiamento, a sua gestão,
os cursos que têm, as notas que exigem à entrada, o tempo que demoram a formar
cada aluno. Debatem-se as escolas básicas e secundárias, os seus meios, a
carreira dos seus docentes, os curricula dos alunos, a qualidade das
instalações, o grau de sucesso nas provas nacionais, a sua distribuição.
Debate sobre educação não falta nem tem faltado - o que tem faltado com
frequência são decisões. Ou, se preferirmos, escolhas. É isso que a Assembleia
terá de fazer, votando as propostas do Governo, do PS e do Bloco de Esquerda.
A proposta do Governo implica algumas escolhas, mas menos do que as necessárias.
Poderia, por exemplo, ser mais clara na imposição de um modelo profissional de
gestão para as escolas, acabando com a ficção da "gestão democrática". Poderia
ir mais longe no princípio da descentralização, assumindo que a responsabilidade
das escolas básicas e secundárias e do seu pessoal docente deve ser das
autarquias locais, tal como sucede na maior parte da União Europeia. E deveria
ser mais ambiciosa na consagração do princípio da liberdade de educação, apesar
de ser compreensível a dificuldade de introduzir já mecanismos como os vouchers
educativos.
Mesmo assim faz algumas escolhas positivas. Uma é o prolongamento da
escolaridade obrigatória até aos 12 anos. Outra é acabar com a ilusão perigosa e
negativa de que os Politécnicos podem evoluir para Universidades, vedando-lhes a
possibilidade de outorgarem doutoramentos. Outra ainda é assumir-se que a
exigência e a avaliação são valores centrais no sistema de ensino, contrariando
a ideia de na educação tudo é um direito e que não é necessário ter mérito para
ser estudante universitário, para ser professor ou para evoluir na carreira.
Finalmente também é positivo que a lei consagre uma visão aberta do que é o
serviço público de educação, estabelecendo o princípio de que nele se integram
tanto escolas públicas como privadas.
Ontem, no PÚBLICO, a deputada do PS Isabel Pires de Lima apelava ao diálogo e à
busca de consensos, um disco algo rachado se nos lembrarmos daquilo a que
levaram seis anos de diálogo e busca de consensos. Daí que prefira o conselho
dado, também no PÚBLICO, a 1 de Junho, por António Barreto: lembrando que a
maior parte dos erros da lei em vigor (aprovada pelo PSD, PS e PCP) teve tido
origem na obsessão do consenso, considerou que "seria desastroso que, desta vez,
se procurasse seguir o mesmo caminho". Porquê? "Porque a fusão de modelos e
conceitos e a mistura de filosofias, feitas com a preocupação de tornar as
coisas fáceis e atraentes, dariam mais uma vez nascimento a um monstro
legislativo e a uma oportunidade desperdiçada".
Façam-se pois as escolhas necessárias, mesmo que imperfeitas e incompletas desde
que coerentes.

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