A Assembleia da República aprovou a lei do casamento
no mesmo sexo. Isso arrumou a questão? Claro que
não. O confronto ainda vai ser longo e incerto.
Aliás, é bastante provável que este tema venha a
revelar-se o momento de inversão deste grande ataque
contra a família que começou há décadas e tem tido
muitas batalhas, da pornografia ao aborto. Fazendo o
paralelo com o anterior combate cultural, esta
mudança do conceito de casamento pode ser a
"Primavera de Praga" dos movimentos antifamília.
A razão disto não vem da gravidade da questão, que é
menor e abstrusa, nem resulta dos disparates,
arrogâncias e atropelos democráticos que, sendo
evidentes, não passam de pormenores. O motivo que
poderá fazer desta escaramuça um ponto axial do
embate está, não nos detalhes mas na sua lógica mais
profunda, na essência da questão. Em particular em
dois aspectos.
Sabemos que uma campanha mediática bem orquestrada
consegue convencer o público de qualquer coisa
durante algum tempo. Esta foi especialmente maciça e
esmagadora, para nos impor como normal e razoável
aquilo que quase nenhum outro país do mundo fez,
como urgente e indispensável algo de que nunca
ninguém se lembrou em milénios de civilização. Mas
isso implicou uma supina distorção da verdade para
nos convencer de que uma relação homossexual é
equivalente ao casamento. A ditadura intelectual não
se aguenta muito tempo e a realidade acaba por se
impor. Basta comparar as paradas do orgulho gay com
as noivas de Santo António para entender a
diferença.
Aliás, a distinção decisiva, não só em termos
pessoais e morais mas políticos, sociais, culturais,
civilizacionais, e até fiscais, é entre a família
perene e fecunda que se propaga nas gerações,
baseada num compromisso para a vida, no amor como na
dor, e todas as outras alternativas, da
promiscuidade às uniões de facto, passando pela
depravação e precariedade conjugal que o Estado tem
vindo a promover em várias leis. Todos os
governantes ao longo de séculos sempre compreenderam
que o equilíbrio nacional depende crucialmente de
famílias sadias, coisa que as ciências sociais
modernas apenas confirmam. É preciso uma enorme dose
de embriaguez ideológica e oportunismo tacanho para
ignorar este elemento. Este não é um confronto entre
duas linhas de futuro, pela simples razão de que a
segunda alternativa não tem futuro.
Isto leva-nos ao segundo elemento da questão. É que
aquilo que os discursos e argumentos desta discussão
mais desprezaram é precisamente aquilo de que o País
mais necessita: procriação. A brutal queda da
natalidade, que coloca Portugal entre as maiores
catástrofes demográficas mundiais, é o que está por
detrás de grande parte dos nossos problemas
socioeconómicos, da segurança social ao orçamento,
passando pela educação, construção e
desenvolvimento.
Portugal é o país da Europa ocidental com menor taxa
de fertilidade. Nos últimos dados disponíveis, para
2007, o nosso valor de 1,33 filhos por mulher é dos
mais baixos dos 27, apenas ultrapassado pela
Hungria, Polónia, Roménia e Eslováquia, zonas de
emigração. Pelo contrário, se por cá descontarmos os
filhos dos imigrantes ainda caímos mais. Somos um
povo em vias de extinção.
Temas como fertilidade e família são muito vastos e
complexos, implicando múltiplos aspectos da
realidade pessoal e cultural. Mas a maior parte dos
nossos parceiros próximos, que registaram descidas
importantes de fertilidade nos anos 1970 e 80,
perceberam o problema e inverteram a situação na
década seguinte. Hoje encontram--se numa trajectória
claramente ascendente. Os nossos responsáveis, não
só não repararam mas estão do lado oposto. Por isso
continuamos alegremente a descer e em breve
ultrapassaremos os mínimos mundiais. O futuro terá
dificuldade em compreender tal imbecilidade.
Passaram mais de 20 anos da Primavera de Praga à
queda do Muro de Berlim. Como disse Churchill depois
da batalha de El Alamein: "Isto não é o fim; nem
sequer o princípio do fim; é talvez o fim do
princípio" (Discurso de 10 de Novembro de 1942).