Nunca nasceram tão poucas crianças em Portugal
Alexandra Campos
Em 2009, nasceram pouco mais de 100 mil bebés. Em
apenas quatro décadas, a taxa de natalidade no país
caiu para metade
Nunca nasceram tão poucos bebés em Portugal, pelo
menos desde que há dados fiáveis. Em Outubro
passado, Rui Vaz Osório, presidente da Comissão
Nacional para o Diagnóstico Precoce, já antecipava
que em 2009 a natalidade iria cair para um mínimo
histórico. Os dados dos "testes do pezinho" indicam
agora que as suas previsões mais pessimistas - ficar
abaixo da fasquia dos 100 mil nascimentos - só não
se confirmaram por pouco.
Os dados provisórios apontam para um total de
100.026 rastreios efectuados em 2009 no Instituto de
Genética Médica Jacinto de Magalhães, no Porto - que
centraliza as análises das amostras de sangue
recolhidas através da picada no calcanhar dos
recém-nascidos. São cerca de menos quatro mil do que
em 2008. E estes testes constituem um indicador
extremamente fiável da natalidade, porque cobrem
"99,6 por cento" do total de nascimentos. "Nunca
nasceu tão pouca gente em Portugal", lamenta Vaz
Osório.
Para o médico, 78 anos, três filhos e seis netos, a
quebra da natalidade verificada no ano passado, após
a ligeira recuperação de 2008, é vista com grande
preocupação. "Era o que temíamos", diz, atribuindo o
fenómeno à crise económica, à "desagregação completa
do conceito de família" e às "actuais prioridades
dos casais".
Há quem não encare este fenómeno com preocupação. A
evolução no sentido do declínio dos nascimentos "tem
sido consistente" e "estamos em linha com o que se
verifica na generalidade dos países europeus",
lembra Maria João Valente Rosa, socióloga,
especialista em demografia e professora na Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
de Lisboa. Os valores têm descido sempre, com
ligeiras oscilações, ao longo dos anos. Se se
analisar a situação em termos de décadas, a quebra
foi abrupta. Até meados dos anos 60, nasciam mais de
200 mil bebés por ano e Portugal era então um país
conhecido por ter "descendências numerosas". Agora,
sucede o inverso. "Passámos de primeiros por termos
muitos [nascimentos] para primeiros por termos
poucos", comenta a especialista, que interpreta os
dados com optimismo: "São resultado de importantes
conquistas sociais".
Saldo pode voltar a negativoA confirmarem-se, os
números não podem ser descontextualizados, porque há
aspectos estruturais e conjunturais que os
justificam, nota. O peso relativo das mulheres em
idade fértil (15 aos 49 anos) tem vindo a diminuir
e, simultaneamente, observa-se um adiamento do
projecto de maternidade. No início dos anos 80,
"tinha-se o primeiro filho, em média, aos 23,5 anos;
agora, é aos 28,4", recorda. O que significa que
actualmente sobra menos tempo às mulheres para terem
filhos. E elas também querem ter menos filhos - o
índice sintético de fecundidade (número de filhos
por cada mulher em idade fértil) era de 1,37, em
2008, e de 1,33, em 2007, um dos mais baixos da
União Europeia.
A crise teve impacto? Ana Fernandes, demógrafa e
docente na Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Nova de Lisboa, acredita que,
provavelmente, sim. Recorda o ano 2000, com um
fenómeno inverso (um "pico" de nascimentos, mais de
120 mil), como contraponto ao de 2009. "Da mesma
maneira que em 2000 o excesso de nascimentos
reflectiu o entusiasmo do guterrismo, com
estabilidade no emprego, o desapertar do cinto,
agora, provavelmente, estamos [a sentir] o inverso.
Há contenção e a natalidade ressente-se", comenta.
Os incentivos à natalidade pouco ou nada têm
ajudado. "As mulheres sabem melhor do que os
governantes o que afecta o nascimento de uma
criança: a estabilidade em termos de trabalho, as
condições de acolhimento - e as creches são poucas e
caríssimas", observa.
"Moderamente optimista", Jorge Malheiros,
especialista em migrações e professor no Centro de
Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa,
defende que, mais importante do que o número de
nascimentos, é o saldo natural (a diferença entre os
que nascem e os que morrem). Se esse saldo foi
negativo em 2007, em 2009 pode ter acontecido o
mesmo. Uma circunstância que é determinante para o
envelhecimento da população portuguesa - e Portugal
já é o oitavo país mais envelhecido do mundo, de
acordo com um recente relatório da Organização das
Nações Unidas.
A imigração é que poderá atenuar o efeito deste
fenómeno, sublinha Jorge Malheiros. Os imigrantes em
idade fértil tendem a ter mais filhos e, como são
mais jovens, morrem menos.