No ano passado fiz 35 anos de casado, o que
significa que quase dois terços da minha vida se
passaram nesta situação. E isso confere-me
naturalmente uma autoridade acrescida para falar do
assunto e dar alguns conselhos aos jovens cônjuges
ou àqueles que estão para casar.
Há muitos mitos e ratoeiras à volta deste assunto.
Algumas das maiores confusões foram lançadas pelas
feministas dos anos 60 e 70. Criticando a mulher
fada do lar, considerando o trabalho doméstico uma
escravatura, aconselhando as mulheres a serem
completamente independentes dos maridos,
incentivando-as a terem uma carreira profissional,
as feministas abriram uma caixa de Pandora e
introduziram nos casais os germens da discórdia.
As mulheres passaram a rebelar-se contra os maridos,
recusando-se a executar certas tarefas que no
passado faziam naturalmente.
– Fazer a comida? Porquê eu? Faz tu!
– Mudar a fralda ao bebé? Por que razão hei-de ser
sempre eu? Muda hoje tu!
– Fazer a cama? Mas tu não te deitas também nela?
Desta vez faz tu!
– Aspirar a casa? Mas não a sujas tanto como eu ou
até mais? E além disso tens mais força! Aspira tu!
NÃO digo que as feministas não tivessem razão em
algumas das suas lutas a favor da libertação da
mulher e contra o comportamento machista de muitos
homens. Isso não está em causa. A questão é que,
objectivamente, incentivaram as mulheres a
revoltar-se, fazendo com que as relações nos casais
nunca mais fossem as mesmas.
A minha avó paterna, por exemplo, fez durante toda a
vida as tarefas domésticas sem uma queixa,
convencida de que era essa a sua contribuição para o
bem-estar da família. Mas no tempo dos meus pais as
coisas já não se passaram bem assim. E na minha
geração – que recebeu em cheio o impacto dos loucos
anos 60 – tudo já foi diferente.
Entretanto, se muitas das reivindicações feministas
tinham razão de ser, o feminismo padeceu de um
enorme equívoco que esteve na origem de inúmeros
conflitos. O equívoco foi este: considerar que os
homens e as mulheres são iguais – tendo as mesmas
qualidades e os mesmos defeitos, as mesmas
capacidades e as mesmas limitações, devendo por isso
desempenhar em casa exactamente as mesmas tarefas.
Aqui é que começou o problema. Porque os homens e as
mulheres são estruturalmente diferentes. Têm
sensibilidades diferentes, gostos diferentes,
vocações diferentes, aptidões diferentes. Para um
casal se dar bem, precisa de perceber isso. De
perceber que, sendo os dois diferentes, não devem
procurar fazer o mesmo – mas, exactamente ao
contrário, têm de repartir as tarefas.
Tal como numa empresa o segredo é dividir as funções
e distribuí-las de acordo com as competências de
cada um, no casal a regra é a mesma.
Em minha casa, por exemplo, quem habitualmente
cozinha é a minha mulher (e digo 'habitualmente'
porque às vezes é a empregada e outras vezes comemos
fora); mas, em compensação, sou eu que levo sempre o
cão à rua à noite, faça frio ou faça chuva. É a
minha mulher quem aspira a casa (quando não é a
empregada); mas sou sempre eu que conserto uma
torneira que se estraga, penduro os quadros, zelo
pela instalação eléctrica ou carrego as bilhas de
gás na casa de Estremoz. É a minha mulher quem
controla as contas bancárias, mas sou eu que
transporto os sacos das compras quando vamos ao
supermercado.
Uma BOA repartição de funções é um dos segredos para
o bom funcionamento do casal. Porque se criam
rotinas. E isso reduz o esforço e evita muitas
discussões. Imagine-se o que seria discutirmos todos
os dias quem faria o jantar. «Olha, hoje faz tu».
«Não, hoje não me apetece». «Faz tu hoje, que eu
faço amanhã». «Isso é o que hoje dizes para te
safares, mas amanhã arranjas outra desculpa». Era um
inferno. E um sacrifício a dobrar. Porque quem
saísse vencido da disputa iria fazer o jantar
duplamente irritado: por ter de o fazer e por ter
perdido a batalha doméstica…
Outra questão importante é a da liderança. Numa
empresa bem organizada a hierarquia deve estar bem
definida. Em cada área o poder de decisão deve ser
atribuído com clareza. Ora, salvaguardadas as
devidas diferenças, nos casais passa-se o mesmo. Não
quer dizer que um mande sempre e o outro obedeça
sempre. O importante é que cada um dos membros do
casal tenha a sua área de influência, uma área na
qual sinta que tem a última palavra, em que possa
projectar o seu poder.
É evidente que, nas grandes decisões, deve haver
consenso entre os membros do casal. Mas é utópico
pensar que pode haver sempre consenso em tudo.
Acreditar nisso é outra fonte potencial de
conflitos.
Devem existir áreas de influência – de acordo com as
inclinações, os talentos e os gostos de cada um.
Numa entrevista televisiva a propósito do seu livro
de memórias Viver para Contá-la (título em que me
inspirei para dar nome a esta secção) o Prémio Nobel
da Literatura Gabriel García Márquez dizia que, ao
contrário do que vulgarmente se advoga, os casais
não devem aprofundar a discussão de certos assuntos.
A maior parte das pessoas defende que os casais
devem discutir tudo, escalpelizar as dúvidas e as
questões mais delicadas até ao fim. Ora ele defendia
exactamente o contrário: os casais não devem
prolongar as discussões nem esmiuçar os pontos de
atrito. Em certos assuntos delicados o melhor é pôr
um ponto final na conversa. Não pretender
aprofundar. Prolongar o diálogo só vai agravar as
coisas, prejudicar a relação. Em vez de aproximar o
casal, acentua a divisão.
Ele sabe do que fala. Pode não ter uma experiência
de casamento tão longa como a minha, mas tem
certamente mais experiência do que eu nas relações
com as mulheres – porque sempre foi um bon vivant,
um sedutor, um conquistador, com o calor próprio dos
sul-americanos.
Para um casal funcionar bem quando o deslumbramento
da paixão deixa de esconder as diferenças e vêm ao
de cima as inclinações diversas do homem e da
mulher, aqui fica uma série de conselhos úteis:
– Repartir as tarefas domésticas de acordo com as
inclinações de cada um. Não pretender que sejam os
dois a fazer tudo: a indefinição é uma fonte
constante de irritação e atritos;
– Criar rotinas dentro de casa;
– Definir com justiça as áreas de liderança, para
que cada um dos membros do casal sinta que tem o seu
espaço de poder;
– Não esmiuçar assuntos potencialmente conflituais,
deixando o tempo curá-los.
Claro que mesmo com estas cautelas a vida de casado
não é sempre um mar de rosas. Mas devemos potenciar
aquilo que é capaz de unir, desvalorizando o que
pode desunir. E depois é necessária tolerância.
Antes de julgarmos os actos da nossa mulher (ou do
nosso marido) devemos procurar percebê-los,
colocarmo-nos no lugar dela (ou dele) e tentarmos
perceber o que a levou (ou o levou) a fazer isto ou
aquilo.
Finalmente, é preciso ter presente que nada na vida
tem só vantagens. A moeda tem duas faces. O
casamento não foge à regra: tem vantagens e
desvantagens. Se valorizarmos estas em demasia,
rapidamente concluímos que não vale a pena. Para
manter o casamento é preciso abdicar do acessório
para salvar o essencial. Na convicção de que fora da
família não é muito fácil encontrar a felicidade.