Expectativas e incertezas Maria José Nogueira Pinto
Saio de um ano e entro noutro a reler Eça de
Queirós. Uma terapia inesperada quando revemos o
Portugal de hoje no Conde de Abranhos, no Alves &
Companhia, na Relíquia ou na Catástrofe. Sendo a
condição humana sempre a mesma e o país tão
previsível só nos pode tranquilizar a imediata
familiaridade com os personagens e as situações,
hoje igualmente actuais e vivíssimos. Não existe
pois motivo para dramatizar esta coisa tão magnífica
como enervante que é ser-se português.
O ano de 2009, que como diria Eça de Queirós, se
inaugura tão consumido pelas incertezas da
inteligência e tão angustiado pelos tormentos do
Dinheiro, prevê-se pleno de expectativas e
incertezas. No tumulto da informação, do que se diz,
do que se faz, do que se comenta, do que se analisa
do dito e do feito, não sei se os portugueses
conseguem (ou querem) ver o que realmente se passa
ou se contentam com a mais restrita forma de estar
que é a de não ver as coisas. Ou se alguma vez
verdadeiramente ambicionaram pôr à prova as forças
que regem os acontecimentos.
O Estudo de Opinião (Rádio Renascença/Eurosondagem)
sobre as expectativas e os receios que 2009 desperta
nos portugueses é elucidativo, desconcertante e
pouco apazigua as minhas dúvidas.
Neste ano que se inicia, 44,4% esperam manter o
nível de vida, 29,6% o que mais temem que lhes possa
vir a acontecer é ficar desempregado; a medida mais
importante que o Governo poderia adoptar em 2009 é,
para 29,1%, o combate à criminalidade violenta.
Segundo o mesmo estudo, 21,3% consideram que a
esquerda está em melhores condições para dar uma
resposta à crise e 53,3% gostariam de ver uma
alteração de Governo. A crise, essa entidade
colossal que paira irremediavelmente sobre nós,
surge como o maior receio mas apenas a nível
mundial, com uma expressão clara de 54,7%. O
consenso parece gerar-se na última pergunta, na
crença generalizada quanto ao positivo "efeito Obama"
sobre o estado do mundo.
Parece que os portugueses já se vêem a si próprios
divididos em dois grupos: os empregados e os
desempregados. Os primeiros podem sentir-se seguros
no meio da tormenta e beneficiam mesmo de uma
surpresa extra, com o aumento do rendimento das
famílias portuguesas em 2009, apesar da recessão. Os
segundos verão o chão fugir-lhes debaixo dos pés sem
outro remédio que não o de comprimir o seu nível de
vida.
Mais difícil de perceber é a escolha do combate à
criminalidade como a mais importante medida
governamental em 2009. Note-se que mais do que a
melhoria do SNS ou a pacificação das escolas, duas
questões muito mais críticas e com imediata
repercussão no quotidiano e no futuro dos
portugueses.
A ideia de que a esquerda está em melhores condições
para dar resposta à crise, embora errada, tem sido
subtilmente veiculada, e ao que parece digerida,
quando se atribui a crise ao modelo capitalista e
não aos seus excessos, à finalidade do lucro e não à
ganância. Mas muitos mais gostariam de ver, em 2009,
uma alteração do Governo, talvez um "centrão"
securizador.
Que pensar? Que os portugueses acreditam que o
Governo (este ou outro, pelos vistos) os defenderá
de uma crise que, segundo lhes foi dito, é "de fora"
e não tem nada a ver connosco? Que apesar de tanta
informação acessível, a maioria forma os seus
raciocínios e decisões na base de títulos de jornais
e rodapés televisivos? Que a coesão nacional e
social é algo abstracto, cada um sentindo-se só na
frente da sua batalha pessoal?
Volto a Eça, mais concretamente ao seu escrito A
Catástrofe onde anotei estas extraordinárias
passagens: "(Os governos) o que eles não podiam
criar era uma alma enérgica ao País! Tínhamos caído
numa indiferença, num cepticismo imbecil, num desdém
de toda a ideia, numa repugnância de todo o esforço,
numa anulação de toda a vontade. Estávamos
caquéticos!". "Quando um país abdica assim nas mãos
de um Governo toda a sua iniciativa, esperando que a
civilização lhe caia feita das secretarias, esse
país está mal".