Diário de Notícias - 22 Jan 09

 

Expectativas e incertezas
Maria José Nogueira Pinto

 

Saio de um ano e entro noutro a reler Eça de Queirós. Uma terapia inesperada quando revemos o Portugal de hoje no Conde de Abranhos, no Alves & Companhia, na Relíquia ou na Catástrofe. Sendo a condição humana sempre a mesma e o país tão previsível só nos pode tranquilizar a imediata familiaridade com os personagens e as situações, hoje igualmente actuais e vivíssimos. Não existe pois motivo para dramatizar esta coisa tão magnífica como enervante que é ser-se português.

 

O ano de 2009, que como diria Eça de Queirós, se inaugura tão consumido pelas incertezas da inteligência e tão angustiado pelos tormentos do Dinheiro, prevê-se pleno de expectativas e incertezas. No tumulto da informação, do que se diz, do que se faz, do que se comenta, do que se analisa do dito e do feito, não sei se os portugueses conseguem (ou querem) ver o que realmente se passa ou se contentam com a mais restrita forma de estar que é a de não ver as coisas. Ou se alguma vez verdadeiramente ambicionaram pôr à prova as forças que regem os acontecimentos.

 

O Estudo de Opinião (Rádio Renascença/Eurosondagem) sobre as expectativas e os receios que 2009 desperta nos portugueses é elucidativo, desconcertante e pouco apazigua as minhas dúvidas.

 

Neste ano que se inicia, 44,4% esperam manter o nível de vida, 29,6% o que mais temem que lhes possa vir a acontecer é ficar desempregado; a medida mais importante que o Governo poderia adoptar em 2009 é, para 29,1%, o combate à criminalidade violenta. Segundo o mesmo estudo, 21,3% consideram que a esquerda está em melhores condições para dar uma resposta à crise e 53,3% gostariam de ver uma alteração de Governo. A crise, essa entidade colossal que paira irremediavelmente sobre nós, surge como o maior receio mas apenas a nível mundial, com uma expressão clara de 54,7%. O consenso parece gerar-se na última pergunta, na crença generalizada quanto ao positivo "efeito Obama" sobre o estado do mundo.

 

Parece que os portugueses já se vêem a si próprios divididos em dois grupos: os empregados e os desempregados. Os primeiros podem sentir-se seguros no meio da tormenta e beneficiam mesmo de uma surpresa extra, com o aumento do rendimento das famílias portuguesas em 2009, apesar da recessão. Os segundos verão o chão fugir-lhes debaixo dos pés sem outro remédio que não o de comprimir o seu nível de vida.

 

Mais difícil de perceber é a escolha do combate à criminalidade como a mais importante medida governamental em 2009. Note-se que mais do que a melhoria do SNS ou a pacificação das escolas, duas questões muito mais críticas e com imediata repercussão no quotidiano e no futuro dos portugueses.

 

A ideia de que a esquerda está em melhores condições para dar resposta à crise, embora errada, tem sido subtilmente veiculada, e ao que parece digerida, quando se atribui a crise ao modelo capitalista e não aos seus excessos, à finalidade do lucro e não à ganância. Mas muitos mais gostariam de ver, em 2009, uma alteração do Governo, talvez um "centrão" securizador.

 

Que pensar? Que os portugueses acreditam que o Governo (este ou outro, pelos vistos) os defenderá de uma crise que, segundo lhes foi dito, é "de fora" e não tem nada a ver connosco? Que apesar de tanta informação acessível, a maioria forma os seus raciocínios e decisões na base de títulos de jornais e rodapés televisivos? Que a coesão nacional e social é algo abstracto, cada um sentindo-se só na frente da sua batalha pessoal?

 

Volto a Eça, mais concretamente ao seu escrito A Catástrofe onde anotei estas extraordinárias passagens: "(Os governos) o que eles não podiam criar era uma alma enérgica ao País! Tínhamos caído numa indiferença, num cepticismo imbecil, num desdém de toda a ideia, numa repugnância de todo o esforço, numa anulação de toda a vontade. Estávamos caquéticos!". "Quando um país abdica assim nas mãos de um Governo toda a sua iniciativa, esperando que a civilização lhe caia feita das secretarias, esse país está mal".

 

Ora bem!