Famílias abandonam idosos nos hospitais Apesar de terem alta, dezenas de doentes
permanencem internados
Dezenas de idosos vivem nos hospitais sem precisar
de cuidados de saúde. As famílias alegam falta de
condições para os receber e nos estabelecimentos
públicos não há vagas. Em Lisboa, está uma senhora
numa cama de hospital desde Julho.
Numa ronda por alguns centros hospitalares do país,
a agência Lusa encontrou mais de 30 histórias de
utentes que permaneciam internados apesar de já
terem tido «alta» clínica. Quando recuperaram,
algumas famílias negaram-se a levá-los para casa,
desligando telemóveis e dando moradas falsas para
não serem contactadas.
A maioria, no entanto, mantém uma ligação, visita o
paciente e preocupa-se, mas não tem condições em
casa para tomar conta do familiar. «Os idosos são
como os meninos dos infantários, precisam de
cuidados permanentes», lembrou Ana Paula Gonçalves,
presidente do Conselho de Administração do Hospital
de Faro. Resultado: «O drama das famílias é enorme».
«Havia uma senhora que nos pedia que ficássemos com
o pai dela. Ela gostava dele, vinha vê-lo todos os
dias, mas não tinha condições para o ter em casa.
Ele acabou por falecer aqui, no hospital», recordou.
Perigo de infecções
Mesmo quando alertados para o perigo das infecções
hospitalares, «os filhos continuam a pedir para que
os pais fiquem nos hospitais», lembrou Ana Almeida,
responsável pelo serviço social do Centro Hospitalar
de Lisboa Ocidental, onde estão referenciados «seis
ou sete casos». A justificação dada pelas famílias é
invariavelmente a falta de condições financeiras e
de tempo.
Para estas, a única solução que encontram é arranjar
vaga na Rede Nacional de Cuidados Continuados
Integrados (RNCCI), uma estrutura lançada em 2006
para prestar «cuidados de saúde e apoio social» a
«pessoas em situação de dependência», como define a
legislação.
«A Rede fez com que as famílias deixassem de querer
levar as pessoas para casa. Antes, como não tinham
esta expectativa, acabavam por levá-los, agora dizem
que não têm condições», lamentou Manuel Delgado,
presidente do Conselho de Administração do Hospital
Curry Cabral.
Ana Paula Gonçalves acredita que «a Rede de Cuidados
Continuados vai dar resposta», apesar de «ainda só
existem três mil camas num país que identificou
serem precisas 19 mil».
«Pessoas mais egoístas, menos solidárias»
A demora para conseguir uma vaga varia consoante os
casos. Manuel Delgado garante serem apenas «30 a 60
dias», mas Ana Almeida fala em «quatro a cinco
meses»: «Temos uma senhora que está cá desde Julho e
só deverá ter resposta em Janeiro», exemplifica.
Manuel Delgado garantiu, no entanto, que este não é
um problema exclusivo dos desfavorecidos: «Na classe
média também acontece. Não é só por falta de
recursos financeiros que se recusam a ficar com o
familiar idoso. São pessoas mais egoístas, menos
solidárias».
A legislação não obriga a nada e «as assistentes
sociais ainda não fazem milagres», ironizou Manuel
Delgado, lembrando o caso ainda mais grave dos
idosos que vivem sós e não têm alternativa aos
serviços públicos. Porque nos hospitais, garante o
responsável, «ninguém põe os doentes na rua».
Numa ronda pelos hospitais, a Lusa descobriu 17
idosos com «alta» a viver no Centro Hospitalar de
Lisboa Central e outros cinco no Centro Hospitalar
do Barlavento Algarvio. Nos hospitais de São João
(Porto), Faro e Garcia de Orta (Almada) os
responsáveis não avançaram números, mas confirmaram
a existência de casos semelhantes.