Público- 08 Jan 07

 

Estudo sobre o período 1994-2002

Ensino superior cresceu nas instituições menos procuradas e com médias mais baixas

Isabel Leiria

Quase metade dos pólos
abertos depois de 1994 não consegue hoje preencher
50 por cento das vagas então criadas

Durante um período de quase 20 anos, entre 1994 e 2002, o ensino superior português viu o número de lugares, de alunos inscritos e de docentes aumentar como nunca. O problema é que a expansão não foi sinónimo de maior qualidade, já que aconteceu sobretudo em instituições e cursos com notas mínimas de entrada mais baixas, vagas sobrantes, menores níveis de empregabilidade e níveis de produção científica inferiores.
Seguramente que não era este o objectivo de quem tomou as decisões relativamente ao alargamento da rede, mas foi isto que aconteceu, concluiu Manuel Caldeira Cabral, professor do departamento de Economia da Universidade do Minho, autor do estudo Expansão do sistema de ensino superior nas últimas duas décadas.
Cruzando os dados relativos à evolução das vagas, alunos inscritos, corpo docente e investigação científica entre 1994 e 2002, Manuel Caldeira Cabral questiona um modelo de crescimento que privilegiou a expansão de unidades, preferencialmente do politécnico, situadas no interior, em cidades mais pequenas e de forma muito dispersa. E diz que a utilização do ensino superior como instrumento de política regional, por vontade dos governos centrais ou como cedência a pressões de autarcas e representantes locais, causou desperdícios e revelou-se muito limitada.
Por exemplo, entre 1994 e 2002, as vagas nos politécnicos públicos fora dos grandes centros urbanos quase duplicaram e o número de docentes foi multiplicado por duas vezes e meia. Mas "o número de estudantes colocados na 1.ª fase do concurso de acesso de 2006 é muito próximo das vagas que estes institutos ofereciam em 1994".
Ou seja, "os investimentos em infra-estruturas e contratações de pessoal que [a proliferação de cursos] implicou revelou-se uma má estratégia de afectação dos recursos públicos - para além de não ir ao encontro da vontade revelada pelos candidatos, não contribuiu para aumentar a qualidade ou produção científica nem conseguiu dar um contributo duradouro para objectivos de desenvolvimento regional, visto não estar a conseguir atrair alunos para ocupar a capacidade instalada". Isto quando outras instituições tinham falta de meios.

"Má aplicação de fundos"
A partir do momento em que o número de candidatos deixou de ser claramente superior ao de vagas, comprovou-se que muitos dos cursos dos institutos politécnicos eram segundas escolhas, continua o professor da Universidade do Minho. "A forte diminuição de candidatos verificada exactamente nas unidades onde mais se expandiu a oferta demonstra bem os limites de opções políticas que ignoram a evolução demográfica e as preferências há muito reveladas."
Um dado revelador do desfasamento entre a oferta e a procura traduz-se no facto de quase metade dos pólos de ensino superior criados depois de 1994 não conseguirem hoje preencher sequer 50 por cento das vagas aí criadas, sublinha Manuel Caldeira Cabral no seu estudo (http://www2.eeg.uminho.pt/economia/heredia/index.asp). Ou ainda na constatação de que 19 das 23 unidades que não ocuparam metade das vagas na 1.ª fase do concurso de 2006 estão fora dos grandes centros urbanos, em cidades como Bragança, Viseu, Guarda, Castelo Branco, Tomar, Santarém ou Beja.
Um dos exemplos mais flagrantes (citado no estudo) aconteceu na Escola Superior de Tecnologia e de Gestão de Bragança que, com um aumento de vagas superior a 300 por cento [mais 580 lugares], entre 1994 e 2002, apenas conseguiu preencher 17 por cento do total de lugares na 1.ª fase do concurso de 2005.
O crescimento foi "de tal modo enviesado" em favor do privado e do politécnico, continua Manuel Caldeira Cabral, que no final dos anos 90 estas instituições tinham já mais de 50 por cento dos alunos do ensino superior português, contra cerca de 25 por cento no final dos anos 80. "Isto aconteceu apesar de as escolhas dos candidatos revelarem uma clara preferência pelo ensino universitário e pelo público."
O mais grave, conclui o investigador, é que a quebra de candidatos não decorre de circunstâncias aleatórias, mas da conjugação de factores demográficos, sectoriais (cursos com cada vez menos procura) e institucionais (preferência pelo ensino universitário) conhecidos em 1994.
Mas a "má aplicação de fundos" não se expressa apenas no desajustamento entre a oferta e a procura por parte dos alunos. O problema é também de qualidade do sistema, diz Manuel Caldeira Cabral. Que se reflecte, por exemplo, "na forte persistência das notas mínimas de entrada, sugerindo que os cursos com maior expansão de vagas foram também os que inicialmente apresentavam médias mais baixas".
Ou seja, conclui, foram canalizados "importantes investimentos e recursos humanos que se revelaram pouco atractivos para os melhores alunos".