Diário de Notícias - 30 Jan 06
Fundamentalismo e homofobia
João César
das Neves
Como se sabe, existem nos
Estados Unidos vários movimentos cristãos integristas
que pretendem impor como científica a visão da Criação
ensinada na Bíblia. Tomando a Escritura como um livro de
Biologia, afirmam que nas escolas a teoria da evolução
de Darwin deve ser substituída, ou pelo menos
complementada, pelo criacionismo. O fundamento invocado
para essa proposta, inclusive em tribunal, costuma ser o
conceito de liberdade religiosa.
A tolerância de culto constitui, sem dúvida, um pilar
fundamental da sociedade civilizada. As terríveis
perseguições recentes, que ainda permanecem em tantas
zonas do mundo, são infâmias inqualificáveis em qualquer
cultura digna. Mas a liberdade religiosa, se dá a cada
pessoa e comunidade o direito à sua fé e celebração, não
lhe concede a possibilidade de impor essa sua visão
particular à totalidade.
Os cristãos integristas, como todos os outros grupos,
devem ter autonomia para, no respeito pela lei,
acreditar e defender o que quiserem; podem ensinar aos
seus filhos o que acharem melhor. Mas só uma compreensão
distorcida de liberdade os leva a exigir que as suas
opiniões sejam postas em igualdade com os resultados
científicos que toda a sociedade subscreve. Liberdade e
tolerância não significam imposição de uma atitude
minoritária à globalidade.
Tais exageros são certamente fenómenos típicos da
América. Ou não serão? De facto, na Europa verificam-se
situações paralelas, em que a única diferença é que a
lei já pretende impor ao todo a opinião da pequena
minoria.
Na sua sessão do dia 18 deste mês, o Parlamento Europeu
aprovou a "Resolução sobre a Homofobia na Europa"
(P6_TA-PROV (2006)0018). Invocando os direitos humanos e
o combate à discriminação, o documento constata que "os
parceiros homossexuais não gozam da totalidade de
direitos e protecções de que beneficiam os parceiros
heterossexuais e que, por conseguinte, são vítimas de
discriminação e de desvantagens" (ponto E) e, por
exemplo, "insta os Estados membros a adoptarem
disposições legislativas para pôr fim à discriminação de
que são vítimas os parceiros do mesmo sexo em matéria de
sucessão, de propriedade, de locação, de pensões, de
impostos, de segurança social, etc.;" (n.º 11).
A homofobia, como qualquer outra forma de violência,
opressão e discriminação, é inaceitável e deve ser
fortemente combatida. Qualquer cidadão europeu tem o
direito de não ser perseguido pelas suas escolhas
pessoais e estilo de vida. Mas isto não é combate à
homofobia, mas promoção da homossexualidade, insultando
toda a Europa, que desde sempre fez e faz naturalmente o
que esta lei agora considera discriminação. O Parlamento
Europeu, tal como os criacionistas americanos, distorce
o conceito de liberdade para impor uma visão aberrante.
A liberdade exige que cada um possa ter a vida que
quiser. Mas não força a que todos achem que todas as
alternativas são equivalentes; tal como a liberdade
religiosa não exige que se ensinem nas escolas as
teorias de qualquer seita. Uma pessoa, em liberdade, tem
o direito de pensar que a homossexualidade é uma
depravação, tal como pode achar que o criacionismo não é
ciência. Isso, em si, não significa homofobia e
intolerância, desde que não persiga os que pensam de
forma diferente da sua. Pelo contrário, é o Parlamento
Europeu que, ao consagrar na lei geral a posição
abstrusa, viola a liberdade.
Não é discriminação tratar de forma diferente aquilo que
é diferente. Os activistas pensam que a homossexualidade
é igual ao casamento, tal como os criacionistas acham
que o Génesis é ciência. Mas as relações homossexuais,
tal como a promiscuidade, incesto, pedofilia e
bestialidade, nunca foram consideradas equivalentes à
família, até nas sociedades antigas que as tinham como
correntes.
Os benefícios que o Estado concede à família,
célula-base da sociedade, não são direitos individuais
ou simples manifestação do amor mútuo. Eles provêm dos
enormes benefícios que a comunidade humana recebe da
solidez familiar, no nascimento de bebés, educação dos
jovens, trabalho, estabilidade emocional, amparo de
idosos. Esses benefícios não podem ser estendidos a
qualquer outra relação, só porque alguém a considere
igual.
O Parlamento Europeu não é para levar a sério. Ao tentar
impor dogmas alheios a toda a legislação dos países
civilizados, ao acusar de violação de direitos humanos
todas as sociedades modernas, só se desprestigia a si
mesmo.