Expresso - 28 Jan 06

A alegria de ver nascer

Margarida Cardoso

Obstetra de 78 anos faz partos em Mirandela e reforça equipa desfalcada

RUI DUARTE SILVA
 
RODRIGUES LOPES, 78 ANOS Quando se reformou, foi contratado pelo Hospital de Mirandela para continuar a fazer partos. À 4ª-feira faz urgência e noite
 

AOS 78 anos, o obstetra Rodrigues Lopes cumpre o seu turno diário de oito horas no Hospital Distrital de Mirandela com a confiança de quem já ajudou a nascer «umas 50 mil crianças em Angola, Estados Unidos e Portugal».

A calma que reina habitualmente nos corredores desta unidade do Centro Hospitalar do Nordeste é o primeiro sinal de que o trabalho, em geral, «não é duro». As 12 camas da enfermaria de obstetrícia, ocupadas a 50%, também não costumam criar grandes dificuldades a um médico que, como ele próprio gosta de dizer, tem um recorde pessoal de «45 horas a trabalhar em contínuo dentro de uma sala de operações no tempo da guerra, em Angola».

Quanto ao piquete de urgência, que o obriga a cumprir 32 horas seguidas à quarta-feira, diz ser «fácil, porque, em geral, os partos são induzidos durante o dia e à noite dá para descansar».

Com apenas dois obstetras nos quadros, o Hospital de Mirandela tem em Rodrigues Lopes, com mais de 50 anos de profissão e uma especialização no Boston City Hospital (EUA), um dos reforços do seu serviço de obstetrícia. O outro é um médico do Porto, chamado a colaborar aos fins-de-semana.

Mesmo assim, não cumpre os critérios de segurança exigidos. Em vez dos dois obstetras em permanência recomendados pelas regras da especialidade, a equipa-base do serviço de obstetrícia de Mirandela funciona normalmente apenas com um, reconhece Rodrigues Lopes.

Bragança contra Mirandela.

Para este médico, no entanto, a garantia da existência do serviço é um factor «essencial contra a desertificação, já que a alternativa seria deixar de fazer partos» - e em Mirandela nascem as crianças da terra, bem como de Alfândega da Fé, Moncorvo, Freixo de Espada a Cinta, Carrazeda e Macedo de Cavaleiros.

Vêm até algumas mulheres de Valpaços, Alijó e Murça, porque, «quando há fome, é melhor ter pouco pão do que nenhum», justifica este médico, a trabalhar a recibo verde em Mirandela desde que se reformou, aos 70 anos, e disposto a manter-se no activo até aos 80, isto «se continuar como agora, em boa forma e saudável».

Um dos seus prazeres é ver as parturientes reconhecerem, na sala de parto, o médico que as ajudou a nascer, há mais de vinte anos. Até hoje, garante, nenhuma mulher manifestou desconfiança ou estranheza por estar entregue a um obstreta com mais de 70 anos.

Convicto de que «parar é morrer», espera que a maternidade do Hospital de Mirandela consiga sobreviver à onda de encerramentos decidida pelo Ministério da Saúde.

Em 1990, quando o Governo fechou 240 salas de parto no país, Mirandela esteve por um fio, mas subsistiu. Agora, enquanto espera a decisão da direcção clínica do Centro Hospitalar do Nordeste, sobre a concentração do serviço em Bragança ou Mirandela, propõe uma «solução de rotatividade semanal entre os dois serviços».

Bragança parece ser a hipótese mais provável, até por ter um serviço de neonatologia bem equipado, mas a direcção clínica não esteve disponível para falar com o EXPRESSO.

Rodrigues Lopes acredita, no entanto, nas possibilidades da terra-natal dos pais, adoptada como sua quando deixou Angola, em 1975, e aqui se fixou. «Temos mais partos que Bragança e uma enfermaria bem equipada, feita de raiz», diz. Mesmo assim, o seu serviço ocupa o quarto lugar a contar do fim, no «ranking» das maternidades com maior número de partos.

Há 30 anos, quando era o único obstetra de Mirandela, registavam-se mais de mil nascimentos por ano. Agora, são menos de 1/3 do número recomendado para uma unidade. Em 2004, fizeram-se 467 partos (1,27 por dia), metade dos quais induzidos e 33% de cesariana. Na sua contabilidade pessoal, um mês de trabalho em Mirandela vale hoje menos que um dia nos velhos tempos de África, onde fazia facilmente uma média de dez partos.

Diz a sua longa experiência de médico que a época alta na maternidade local é Maio, nove meses depois da festa da padroeira da terra, no primeiro domingo de Agosto.

WB00789_.gif (161 bytes)