AOS 78 anos, o obstetra Rodrigues
Lopes cumpre o seu turno diário de oito horas no
Hospital Distrital de Mirandela com a confiança de
quem já ajudou a nascer «umas 50 mil
crianças em Angola, Estados Unidos e Portugal».
A calma que reina habitualmente
nos corredores desta unidade do Centro Hospitalar do
Nordeste é o primeiro sinal de que o trabalho, em
geral, «não é duro». As 12 camas da
enfermaria de obstetrícia, ocupadas a 50%, também
não costumam criar grandes dificuldades a um médico
que, como ele próprio gosta de dizer, tem um recorde
pessoal de «45 horas a trabalhar em
contínuo dentro de uma sala de operações no tempo da
guerra, em Angola».
Quanto ao piquete de urgência,
que o obriga a cumprir 32 horas seguidas à
quarta-feira, diz ser «fácil, porque, em
geral, os partos são induzidos durante o dia e à
noite dá para descansar».
Com apenas dois obstetras nos
quadros, o Hospital de Mirandela tem em Rodrigues
Lopes, com mais de 50 anos de profissão e uma
especialização no Boston City Hospital (EUA), um dos
reforços do seu serviço de obstetrícia. O outro é um
médico do Porto, chamado a colaborar aos
fins-de-semana.
Mesmo assim, não cumpre os
critérios de segurança exigidos. Em vez dos dois
obstetras em permanência recomendados pelas regras
da especialidade, a equipa-base do serviço de
obstetrícia de Mirandela funciona normalmente apenas
com um, reconhece Rodrigues Lopes.
Bragança contra Mirandela.
Para este médico, no entanto, a
garantia da existência do serviço é um factor
«essencial contra a desertificação, já
que a alternativa seria deixar de fazer partos»
- e em Mirandela nascem as crianças da terra, bem
como de Alfândega da Fé, Moncorvo, Freixo de Espada
a Cinta, Carrazeda e Macedo de Cavaleiros.
Vêm até algumas mulheres de
Valpaços, Alijó e Murça, porque, «quando
há fome, é melhor ter pouco pão do que nenhum»,
justifica este médico, a trabalhar a recibo verde em
Mirandela desde que se reformou, aos 70 anos, e
disposto a manter-se no activo até aos 80, isto
«se continuar como agora, em boa forma e
saudável».
Um dos seus prazeres é ver as
parturientes reconhecerem, na sala de parto, o
médico que as ajudou a nascer, há mais de vinte
anos. Até hoje, garante, nenhuma mulher manifestou
desconfiança ou estranheza por estar entregue a um
obstreta com mais de 70 anos.
Convicto de que
«parar é morrer», espera que a maternidade do
Hospital de Mirandela consiga sobreviver à onda de
encerramentos decidida pelo Ministério da Saúde.
Em 1990, quando o Governo fechou
240 salas de parto no país, Mirandela esteve por um
fio, mas subsistiu. Agora, enquanto espera a decisão
da direcção clínica do Centro Hospitalar do
Nordeste, sobre a concentração do serviço em
Bragança ou Mirandela, propõe uma
«solução de rotatividade semanal entre os dois
serviços».
Bragança parece ser a hipótese
mais provável, até por ter um serviço de
neonatologia bem equipado, mas a direcção clínica
não esteve disponível para falar com o EXPRESSO.
Rodrigues Lopes acredita, no
entanto, nas possibilidades da terra-natal dos pais,
adoptada como sua quando deixou Angola, em 1975, e
aqui se fixou. «Temos mais partos que
Bragança e uma enfermaria bem equipada, feita de
raiz», diz. Mesmo assim, o seu serviço ocupa o
quarto lugar a contar do fim, no «ranking» das
maternidades com maior número de partos.
Há 30 anos, quando era o único
obstetra de Mirandela, registavam-se mais de mil
nascimentos por ano. Agora, são menos de 1/3 do
número recomendado para uma unidade. Em 2004,
fizeram-se 467 partos (1,27 por dia), metade dos
quais induzidos e 33% de cesariana. Na sua
contabilidade pessoal, um mês de trabalho em
Mirandela vale hoje menos que um dia nos velhos
tempos de África, onde fazia facilmente uma média de
dez partos.
Diz a sua longa experiência de
médico que a época alta na maternidade local é Maio,
nove meses depois da festa da padroeira da terra, no
primeiro domingo de Agosto.