O debate sobre a
Procriação Medicamente Assistida (PMA), na
sociedade portuguesa, está a esquecer a dimensão
terapêutica da mesma. Quem o assegura é Walter
Osswald, Director do Instituto de Bioética da
UCP e antigo responsável pelo Conselho Nacional
de Ética para as Ciências da Vida.
“A técnica de PMA é uma terapia, um tratamento
para uma doença, e quem deve ter acesso a ela
são os doentes”, explica à Agência ECCLESIA.
Este responsável considera que a dimensão
terapêutica da PMA é central e tem sido
“esquecida” no debate da sociedade portuguesa e
mesmo em documentos importantes da Igreja, como
a “Donum Vitae”, Instrução da Congregação para a
Doutrina da Fé (22.2.1987) sobre o respeito pela
vida humana nascente e pela dignidade da
procriação.
O entendimento desta dimensão ajudaria a
iluminar, segundo Walter Osswald, questões como
o recurso a dadores de esperma e de óvulos, as
mães de substituição e a utilização destas
técnicas por casais homossexuais.
“Na minha opinião, só pode ter acesso à PMA uma
união estável entre homem e mulher, na qual se
que sofra com a esterilidade - porque nem todos
sofrem com isso e não querem mesmo ter filhos -,
o que exclui automaticamente os homossexuais,
estéreis pela sua própria condição, dado que um
homem ou uma mulher não podem ter um filho
sozinho”, indica, explicando que esta posição
“não tem a ver com pontos de vistas morais, nem
de Igreja, nem de religião, simplesmente é um
ponto de vista médico”.
A PMA está, assim, destinada a ser “uma acção
terapêutica importante” para curar uma doença,
concepção que explica, ainda, a rejeição de
utilização de gâmetas fora do casal. “Essa
utilização implicaria que o médico não estaria a
curar a esterilidade, a procriação não seria
assistida, mas inventada, porque não se corrigiu
o erro da natureza”, precisa Walter Osswald.
O especialista distingue este caso dos casos de
adopção, frisando que nesta última “há
transparência completa e os pais estão em
condições de igualdade”.
Embriões excedentários
O problema mais conhecido, nas técnicas de
procriação médica, é o dos cahamados “embriões
excedentários”. Walter Osswald não tem dúvidas
em afirmar que “todas as soluções existentes são
más”, pelo que defende que “em princípio,
deveríamos evitar criar mais embriões do que
aqueles que serão implantados”, apesar de
reconhecer que isso é, tecnicamente, difícil de
conseguir.
“Aquilo que se pretende eticamente é que o
número de embriões seja o mais pequeno possível:
há várias ideias que podem ser colocadas em
prática, como não fecundar todos os óvulos
recolhidos, em vez de seleccionar os que se
consideram ‘melhores’, algo aliás que não é
possível”, aponta.
A proposta de lei vetada por Jorge Sampaio há
sete anos previa, precisamente, um número máximo
de três embriões e Walter Osswald concorda que a
lei não deva “prever um número, dado que isso
depende da técnica e das condições de cada
laboratório”.
Neste momento estão na Assembleia da República,
quatro projectos de lei (PS, PSD, PCP e BE) que
visam regulamentar a PMA, praticada em Portugal
desde 1986, mas ainda sem regulamentação.
Apesar de hoje não serem implantados um grande
número de embriões, dado que a taxa de êxito
chega aos 21%, há na maioria dos casos a
necessidade de fazer mais do que uma tentativa.
Assim, se três embriões forem implantados em
dois ciclos, estaremos já na presença de seis
embriões, “mas se houver êxito na primeira vez,
nenhuma mulher vai querer mais de três”.
“Eticamente, seria preferível contar apenas com
os embriões necessários para o primeiro ciclo,
apesar de reconhecer que o tratamento hormonal e
a colheita dos óvulos implica alguns riscos e
inconvenientes, para as mulheres”, indica Walter
Osswald.
O que fazer com os embriões que permanecem
congelados e não serão implantados é um grande
dilema ético. Em Novembro de 2005, o Conselho
Nacional de Ética para as Ciências da Vida deu
um Parecer o qual, no número 22, admite que o
princípio do respeito absoluto pelo direito do
embrião à vida e ao desenvolvimento possa sofrer
uma excepção, em circunstâncias e sob
condicionalismos estritamente definidos e só em
referência a embriões já excluídos de qualquer
outra intervenção que lhes possa salvar a vida,
já precária; excepção esta que permita o seu uso
em investigação científica relacionada com a
biologia do embrião e com o processo de
fertilização.
A nota da CEP, ontem divulgada pela Agência
ECCLESIA, lembra que o embrião é “uma vida
humana dotada de dignidade”, pelo que os Bispos
consideram que as técnicas usadas devem evitar a
existência de embriões excedentários, “mesmo
destinados a uma segunda gravidez do casal”. “De
nenhum modo estes embriões sejam utilizados para
a investigação, enquanto vivos”, conclui o
documento.
Para Walter Osswald, “os próprios casais
deveriam responsabilizar-se por estes embriões”,
constatando, contudo, que a maioria dos casais
inférteis não volta a recorrer à PMA após terem
sucesso com uma gravidez.
Este responsável considera que a nota do
Conselho Permanente da CEP sobre a PMA
representa um “contributo que a Igreja tem todo
o direito a dar” num debate que continua em
aberto.