Público - 18 Jan 05
Estado de
Descrença
Por JOSÉ
MANUEL FERNANDES
Quando três em
cada quatro eleitores pensam que, apesar de se criticarem muito uns
aos outros, os políticos são no fundo todos iguais, quando mais de
metade acham que seja qual for o resultado das eleições isso não
alterará o curso dos acontecimentos, que pensar do estado da nossa
democracia?
Estes números
constavam de uma sondagem ontem editada pelo PÚBLICO e que, à noite,
foi discutida na RTP por Mário Soares, Freitas do Amaral, Pinto
Balsemão e Adriano Moreira. Em parte não surpreendem: a imagem dos
políticos é muito má, tão má como nos piores dias do "rotativismo"
do século XIX que Eça tão bem vergastou. Em parte deterioraram-se:
comparando este estudo com outro feito depois de Barroso ter ganho
as eleições de 2002, verifica-se que então ainda havia uma maioria
de inquiridos a considerar que algo ia mudar no rumo do país.
Não é pois de
admirar que os eleitores se interessem pouco pela política, sigam
cada vez com menos atenção os debates sobre os grandes problemas
nacionais - sobretudo quando os seus protagonistas são políticos - e
os níveis de abstenção sejam elevados (mesmo que menores do que
noutras democracias). Pior: desta vez, apesar de tudo indicar que
vamos assistir a nova mudança de maioria, a indiferença e a falta de
confiança nas alternativas que irão a votos parecem ter atingido
níveis ímpares.
Há muito que
os estudos sobre o comportamento político e eleitoral dos
portugueses indicam que, mesmo quando um Governo vive dias de
impopularidade e o partido no poder perderia as eleições, raramente
isso corresponde à convicção de que a oposição faria melhor. A
novidade agora é que à falta de confiança revelada por estes estudos
se acrescentam sinais mais fortes de descrença e descrédito - os
mesmos sinais que qualquer cidadão encontra no dia-a-dia em qualquer
conversa avulsa.
Uma parte
deste divórcio pode derivar da convicção - correcta, mas redutora -
de que a margem de manobra dos governos é hoje pequena, que a
situação económica não permite grandes mudanças e que há cada vez
mais políticas a serem determinadas pela União Europeia. O que leva
a que se escolham os políticos mais pela sua "competência" ou pelo
seu "carácter" do que por proporem vias diferentes para o país.
Esta
perspectiva é reforçada pelo discurso e pelas mensagens que esses
mesmos políticos transmitem, onde se valoriza mais serem homens
íntegros e que sabem o que querem para Portugal do que representarem
famílias políticas diferentes. A tecnocracia e o "marketing" ocupam
o lugar das ideias e até palavras como "esquerda" ou "direita",
"liberal" ou "socialista", "conservador" ou "progressista", se
esvaziam de significado. Figuras de sorrisos postiços e moldados às
necessidades de cada momento como bonecos de plasticina acabam por
ocupar um palco central sem reparar no crescimento dos extremos
contestatários.
A subida de
tom e as contradições dos principais actores políticos apenas
agravam esta situação. Dizer uma coisa na oposição e fazer outra no
poder, ou prometer algo em campanha e logo o seu contrário, em
função das audiências, não permite recuperar a confiança nem sequer
é garantia de ganhar eleições. De resto, basta olhar para o recente
exemplo americano, onde a ideologia contou mais do que o malabarismo
amorfo, mobilizando os eleitores que se revelaram decisivos para a
vitória de Bush. É que as ideias dividem, mas também mobilizam
 |