Diário de Notícias - 10 Jan 04
Ressaca
João César das Neves
Portugal,
é tempo de te deixares de choradeiras, não achas? Esta conversa de
crise, de futuro comprometido, do fim do Estado- -Providência, já
começa a enjoar. Já chega de lamentações patéticas, intercaladas por
balofas exuberâncias. Está na altura, meu caro Portugal, de deixares
de ter pena de ti mesmo, de largares o sofá da conversa, arregaçares
as mangas e enfrentares a vida como ela é. As crises são para os
homens.
Ninguém tem paciência para te aturar mais chorinquice. Aliás, tens
de reconhecer, esta crise até nem foi nada de extraordinário. Não se
justifica tanta lamúria. Confessa que ela foi mais uma ressaca que
uma verdadeira depressão. Apanhaste um pifo de euforia e dívida, e
agora dói-te a cabeça e tens de pagar os estragos.
Emborcaste grades de subsídios, apoios, benefícios, incentivos, sem
reparar que é com o teu dinheiro que te dão isso. Gastaste anos com
parvoíces, como o aborto e a regionalização; deitaste-te tarde a ver
a ficção dos reality shows.
Depois admiras-te que os parceiros te passem à frente e não tenhas
produtividade. Acreditaste nos que te falavam em reduções de horário
de trabalho e salários europeus, sem ver que esses países os têm
porque trabalham muito para o conseguir. Quiseste fazer estádios e
andar nas ruas a abanar bandeirinhas.
Agora acordaste. Choras com a crise e temes pelo fim do
desenvolvimento. Assustas-te com os chineses e pões luto pelos
têxteis. Temes perante a globalização e desanimas com o atraso na
convergência. Sentes-te desorientado e perdido.
É incrível como acreditaste mesmo a sério nos muitos que te diziam
que tinhas direito a tudo, sem nunca te falarem nos deveres ou
explicarem como se pagaria. Nem sequer suspeitaste quando os viste a
espreitar para a tua carteira. Caíste que nem um pato na maior das
ilusões, o Orçamento do Estado, que dá tudo a todos, desde que todos
lhe dêem antes. Comeste um grande almoço e ficaste surpreendido com
a conta.
Não sei se já te disseram, mas não há almoços grátis!
É incrível como voltas a dar ouvidos aos mesmos que agora te dizem
que não tens capacidade de trabalho e espírito empresarial, que não
suportas horários nem respeitas a disciplina. Então recomeça a
choradeira, dos analistas de café à reportagem de jornal.
É incrível como voltas sempre às desculpas estafadas. O Governo é
mau? Olha que novidade! Mas desde o D. Fernando são todos maus. E os
poucos que foram bons, nunca o reconheceste; limitaste-te a ter
saudades, depois de dizeres todo o mal que podias durante seu
mandato.
Os tempos estão difíceis? Olha que espanto! Desde o Noé que não são
fáceis. São os homens que fazem os tempos, sem esperarem por ajudas.
A vida é dura? Vê lá a grande surpresa!
Deixa-te de mariquices e toca a andar! Está na hora de esqueceres as
desculpas e demonstrares aos que falam que sabes fazer coisas úteis.
Não esperes previsões favoráveis. Não contes com estratégias e
políticas salvadoras. Está na altura de trabalhar e lançar
projectos, poupar e investir, encontrar clientes e fazer bons
produtos para lhes vender. Fazer aqui e agora, onde há
oportunidades. Como puderes, como souberes. FAZ! Como sempre
soubeste fazer.
Não por ti, meu caro Portugal, mas pelos portugueses. E deixa
dar--te uma novidade não há cá mais ninguém. Só tu, Portugal, podes
fazer o desenvolvimento português. Mais ninguém. Os outros falam. Tu
ainda cá andarás depois de eles se calarem.
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt
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