Público - 28 Jan 04

Propinas, Lá e Cá
Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

No Reino Unido, um profissional com um curso superior ganha, em média, 60 por cento mais do que um trabalhador sem tal grau de qualificação. Nada indica que no futuro não seja diferente, tanto mais que, como costuma dizer Tony Blair, as universidades "são as minas de carvão do século XXI", isto é, a base da riqueza das sociedades contemporâneas.

No Reino Unido - como em Portugal, em França ou na Alemanha - tem-se verificado um crescimento exponencial dos alunos do ensino superior. Isso é bom para a sociedade, mas teve uma consequência: as suas universidades estão superlotadas, falta-lhes dinheiro e piorou o rácio professor/aluno. O mal atingiu mesmo as universidades mais prestigiosas, como Oxford ou Cambridge. Esta última, por exemplo, pode gastar por cada estudante apenas um terço do que investe a universidade norte-americana de Harvard - e hoje sabe-se como o ensino superior é concorrencial, com professores e alunos a escolherem as melhores escolas, pelo que o subfinanciamento das universidades inglesas está a fazê-las ficar para trás face às suas congéneres do outro lado do Atlântico. Algo não muito diferente se passa nas escolas alemãs ou francesas.

Para enfrentar este problema, o governo de Tony Blair alterou a lei das propinas. Actualmente cada estudante paga por ano um pouco mais de 1600 euros (sensivelmente o dobro da nossa nova propina máxima), a partir de 2006 vai passar a pagar uma quantia que pode ir até quase três vezes esse montante. O novo sistema permite diferenciar as escolas e permitirá também que os estudantes recebam empréstimos para pagarem os seus estudos, empréstimos esses que pagarão em prestações quando entrarem no mercado de trabalho e conforme o êxito profissional que obtiverem. Haverá ainda apoios suplementares para os 30 por cento mais pobres.

Este sistema é socialmente justo, acaba com o mito de que todas as escolas são iguais, responsabiliza-as, assim como responsabiliza os estudantes. Permitirá ainda aliviar as dificuldades económicas maiores do ensino superior britânico.

A esquerda (?) trabalhista, presa ao mito do igualitarismo, revoltou-se. Utilizou argumentos muito parecidos com os movimentos anti-propinas portugueses, mas acabou por sair derrotada. Ainda bem. Tanto mais que assim Tony Blair vai poder continuar a mostrar que é possível ser social-democrata e assumir que a gratuitidade absoluta dos chamados "serviços públicos" é não só insuportável do ponto de vista económico, como se traduz com frequência em menos justiça social. É que se é verdade que qualquer Estado moderno deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para melhorar a formação da sua população, é também justo que aqueles que no futuro vão beneficiar dessa formação recebendo salários mais elevados ajudem a suportar tal esforço.

Apesar de ir bastante à frente de Portugal - na tradição de qualidade, na organização, também na forma como subsidia as suas universidades -, o Reino Unido tem ainda um longo caminho a percorrer, em especial no que respeita à autonomia das suas instituições e à possibilidade destas escolherem os seus estudantes (lutando pelos melhores) sem interferência do Estado, sem sistemas de quotas e sem qualquer comando centralizado. Mas com a medida ontem aprovada vai na direcção certa - e está a discutir, em moeda antiga, propinas de 900 contos ano, cinco vezes mais do que a nossa vilipendiada propina máxima...

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