Público - 23 Jan 04
Peritos Portugueses Divididos Quanto à Perda de Anonimato dos Dadores
de Esperma e Óvulos
Por SOFIA BRANCOPUBLICO.PT, com Reuters
O Governo britânico anunciou que pretende acabar com o anonimato dos
dadores de esperma, óvulos e embriões. Os peritos portugueses já reagiram
à notícia, mas estão divididos quanto às suas consequências.
Luís Archer, especialista em genética, diz que o fim do anonimato vai
apenas mudar o perfil dos dadores, enquanto Paula Martinho da Silva,
presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida,
acredita que os afastará mesmo.
Em Portugal, ainda está tudo por regulamentar em relação a estas matérias.
No entanto, em declarações à TSF, Luís Archer adiantou ontem que gostaria
que o exemplo da proposta britânica fosse seguido no país. "Há 18 anos que
se trabalha nessa matéria, a preparar legislação, e até agora não foi
possível consegui-la. É uma matéria difícil. Não há acordo em alguns
pontos e, portanto, tem acontecido que vários projectos estavam quase
prontos, mas o Governo mudou e começou-se então um novo", afirmou.
Também em declarações à TSF, Paula Martinho da Silva, presidente do
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, foi mais longe e
disse acreditar que o fim do anonimato tenderá a afastar os dadores. "Em
princípio, tenderá a afastar os potenciais dadores. Parece ser uma
conclusão óbvia". Ao contrário, Luís Archer afirma que "há resultados que
mostram que não é bem assim. Por exemplo, na Suécia, o que aconteceu é que
ao princípio houve uma baixa enorme de dadores quando a lei passou, mas
passado algum tempo houve uma recuperação".
Agora, uma coisa é certa: o perfil dos dadores mudará com a perda de
anonimato, passam a ser "de outro tipo". "Já não são aqueles aventureiros
ou aquelas pessoas com umas ideias fantásticas e passam a ser pessoas
responsáveis, que pensam que estão a fazer um acto de generosidade e de
responsabilidade", explicou.
No entanto, ambos os peritos pendem para o apoio à alteração proposta por
Londres, já que também Paula Martinho da Silva desvaloriza a questão do
afastamento dos dadores, considerando que "o que está em questão" é "o
respeito pelo direito da criança nascida através das técnicas de
reprodução medicamente assistida em conhecer as suas origens genéticas e a
identidade do seu progenitor". A investigadora adiantou ainda que o
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida está a preparar um
parecer sobre esta matéria.
Anteontem, a ministra da Saúde britânica anunciou a intenção do Governo de
acabar com o anonimato dos dadores. Assim, as crianças nascidas no Reino
Unido graças a doações de esperma, óvulos e embriões poderão conhecer a
identidade dos dadores biológicos quando atingirem a maioridade (aos 18
anos). O projecto do Governo necessita ainda do aval do Parlamento, deverá
entrar em vigor a partir de Abril de 2005 e não terá efeitos retroactivos.
Exprimindo-se por ocasião do congresso anual da Human Fertilisation
Embryology Authority, organismo de controlo da reprodução medicamente
assistida no Reino Unido,, Melanie Johnson realçou, contudo, que os
dadores não terão qualquer obrigação legal ou financeira face às crianças.
"Acredito verdadeiramente que as pessoas concebidas graças a doações têm o
direito de ser informadas sobre as suas origens genéticas, o que inclui a
identidade do dador", afirmou a governante.
Importações e listas de espera
O Governo prometeu, no entanto, tudo fazer para reforçar a promoção, junto
do grande público, da necessidade de dadores para reprodução medicamente
assistida, financiando nomeadamente um serviço de assistência telefónica
destinado a informar os potenciais dadores.
Vários peritos britânicos reagiram com receio face à medida anunciada pelo
Executivo, temendo que contribua para uma diminuição dos dadores. Os
especialistas têm alertado para a rápida escassez de esperma à disposição
nas clínicas especializadas em inseminação artificial. O número de dadores
baixa regularmente há vários anos no país, ao ponto de terem sido
autorizadas importações da Dinamarca. Quanto aos óvulos, existe uma lista
de espera de um a dois anos. "Qualquer queda suplementar no número de
dadores seria catastrófica para os pacientes", advertiu Sheena Young,
responsável de uma rede de infertilidade no país.
Os advogados e activistas de defesa dos direitos das crianças saudaram a
iniciativa britânica. Países europeus como a Áustria e a Suécia já
autorizam às crianças concebidas conhecer a identidade dos pais
biológicos. |