Diário de Notícias da Madeira - 20 Jan 04
Plano Nacional da Família apresentado em Fevereiro
 
Programa de acção para uma política social mais equilibrada, quer alterar essência de uma sociedade que aposta no individualismo
O novo Plano Nacional para a Família será apresentado, oficialmente, no próximo mês de Fevereiro.
Trata-se de um programa de acção do Governo, que pretende dar consistência à política social e que surge no âmbito do décimo aniversário do Ano Internacional da Família.
Como explicou Margarida Neto, coordenadora nacional para os Assuntos de Família e responsável pela elaboração deste programa de acção, este ano, a ONU pediu aos governos e aos países que, para além das comemorações, reforçassem as medidas de apoio à família. E é, portanto, com base neste plano que se irão desenvolver essas questões.
Lembrando que, em 1994, Portugal empenhou-se de uma forma bem conseguida, arrecadando até um prémio pelo reconhecimento daquilo que pôs em marcha, a coordenadora quer, agora, num ano de reflexão ao décimo aniversário, dar continuidade à estratégia.
«Sendo assim, o Governo vai anunciar este plano de acção para os próximos dois anos, comprometendo-se com uma série de medidas, que vão desde a eventualidade do aumento da licença de maternidade a decisões mais concretas entre a vida familiar e a vida profissional», disse.
Acrescentando, no entanto, que não se podem esperar grandes medidas, uma vez que as dificuldades orçamentais são conhecidas, Margarida Neto espera que a fiscalidade reconheça definitivamente a família e o casamento como um factor estabilizador. «E que não esteja a promover fiscalmente o divórcio, que é o que tem acontecido ultimamente».
Sem querer avançar muito sobre o projecto, a coordenadora nacional revelou que, uma vez que a família é entendida como o núcleo base da sociedade, o plano foi dividido por áreas de acção, como a educação, a saúde, o ambiente, a sociedade e a cultura.
«O que é fácil de dizer, mas que nem sempre é reforçado. De facto, ao fazerem-se as políticas esquece-se normalmente a família, em nome de um individualismo próprio da sociedade em que vivemos. Pensa-se sempre nas pessoas individualmente: a criança, o adolescente, o idoso», disse.
Mas a família, que se diz estar em crise, continua a ser o espaço de crescimento e de realização das pessoas. E é por tal que Margarida Neto defende que o maior desafio que se levanta aos seres humanos é a construção de uma vida afectiva.
De acordo com a coordenadora, a concepção de família, tal como a conhecíamos, está em mudança. Os valores, embora positivos, são agora outros.
Actualmente, a mulher é chamada a uma realização pessoal e profissional, o homem passou a ter novos papéis dentro de casa e há uma maior democracia e formalidade na construção da unidade familiar.
«Mas, ao mesmo tempo, continuamos à procura de um equilíbrio, que ainda não surgiu. A vida é difícil, sobretudo nas grandes cidades, porque vivemos de uma forma frenética, que não deixa tempo para cultivar aquilo que são as aspirações da nova família. Simultaneamente, criam-se expectativas de uma família mais democrática e mais informal, mas o mundo que nos rodeia transporta valores opostos a estes».
Como tal, realçou esta médica, psiquiatra de profissão, a maneira de viver, muito materialista e mais ligada à carreira, é justamente contraditória ao mundo dos afectos.
«Desta forma, os casamentos aguentam pouco, o amor é visto como algo sem estabilidade e as pessoas vão procurando a felicidade a que têm direito, de casamento em casamento, esquecendo-se que a felicidade é algo construído e que requer ingredientes, que não são os que o mundo de hoje proclama», disse.
Apesar do exposto, Margarida Neto não concorda com a afirmação do bispo do Funchal, que anteontem sustentou que, «numa altura em que as Nações Unidas pedem uma reflexão, para ver o que há de novo e de maior, a constatação a que se chega é que não há motivos para celebrações». A coordenadora defende que há sinais que são preocupantes, mas que em dez anos houve também muitas evoluções.
«Quanto à questão da taxa de natalidade, ela é preocupante em toda a Europa. Mas esta é uma questão basicamente cultural e independente das condições económicas», reforçou.
Fundamentos do Ano Internacional: Nações Unidas pedem reflexão no décimo aniversário e voltam a reafirmar a importância da família no processo de desenvolvimento e progresso social
Num momento em que parece emergir uma tendência para revalorizar a família, o presidente da direcção da Associação Nacional de Famílias Numerosas lamenta um percurso, até à actualidade, que classifica de «desastroso» em relação à parentalidade.
Fernando Castro fundamenta o retratro negativo que traça, dizendo que, «nos últimos 10 anos, nós assistimos a uma redução do número de casamentos, a um disparo no número de divórcios e a uma diminuição da taxa de natalidade».
E perante factos não há argumentos. A família portuguesa continua em crise. Fernando Castro considera bastante preocupante «a crescente instabilidade familiar que se traduz não só num menor número de nascimentos, mas também faz aumentar o número de filhos cujos pais estão separados».
Portanto, uma vez que o estado da família é deveras preocupante, «é necessário ter uma política familiar a sério».
Fernando Castro reconhece que os portugueses já «têm alguns sinais positivos», uma vez que o actual Governo «tem prometido determinadas medidas de apoio à família». No entanto, «são declaradamente insuficientes».
Para a Associação Nacional de Famílias Numerosas, há questões de fundo que não poderão continuar a passar ao lado das entidades competentes, designadamente de quem tem as rédeas governativas do País e até dos seus cidadãos: «É preciso apoiar mais a conjugalidade. Portanto, para o fazermos, temos de retirar da legislação portuguesa tudo aquilo que fomenta a dissolução conjugal, a começar pela fiscalidade; devemos apostar também em criar condições que permitam uma maior estabilidade familiar, promovendo uma rede de terapeutas familiares».
O presidente da direcção da APFN não gosta da expressão "apoios à maternidade". Antes, prefere que se fale em «apoios à parentalidade, porque as crianças são filhas de pai e mãe». Portanto, o nosso interlocutor deixa bem claro que é preciso «criar as condições para que um determinado casal consiga desempenhar cada vez melhor a sua função parental».
Ao nível dos apoios à parentalidade, Fernando Castro admite que «isso tem sido feito». E salienta «as licenças de parto para o pai tornadas obgrigatórias, o que é bastante positivo; também o aumentar das licenças de maternidade é outro factor positivo, mas há ainda que ir muitíssimo mais além». A este nível, o presidente deixa algumas pistas: «Quando há uma elevada taxa de desemprego, há que promover a saída voluntária do mercado de trabalho de um pai ou de uma mãe com o objectivo de dar um maior apoio aos seus filhos»; a opção poderá ser também trabalhar, tendo por base um horário a tempo parcial. E neste âmbito, salienta o responsável nacional, «não é tanto o Governo que tem de fazer, mas sim as empresas».
Por outras palavras, Fernando Castro acha que é tempo de as «empresas perceberem que devem promover a parentalidade, porque o nosso País tem graves problemas económicos devido também à baixa da taxa de natalidade, como disse (e bem!), o governador do Banco de Portugal, dr. Vítor Constâncio».
Curiosamente, o factor natalidade tem sido arrolado à série de causas que contribuiu para mergulhar Portugal numa profunda recessão económica. E são economistas insuspeitos que começam a alertar para os efeitos nefastos do envelhecimento num País a braços com uma crise económica e a baixar sistematicamente a taxa de natalidade. Aliás, dados divulgados pela Organização da Nações Unidas (ONU) apontam para que a população portuguesa cresça até 2010 para 10.082.000 habitantes, diminuindo a partir daí até 8.302.000, em 2300.
Ser mais e custar menos
A Associação Portuguesa de Famílias Numerosas tem uma forma de proceder que não se baseia apenas no discurso mas numa actuação efectiva junto de quem de direito, isto é, «contribui decisivamente» para alterar a visão errada da família que está enraizada na sociedade».
Por outras palavras, o presidente Fernando Castro explica que a Associação «tem vindo a criar condições para que "ser mais, custe menos"».
Por outras palavras, o que se pretende é que «as famílias que sejam numerosas tenham uma vida menos dificultada através das facilidades que têm vindo a ser criadas». E esta acção tem-se vindo a fazer sentir, nomeadamente junto das empresas do País, numa sensibilização contínua para a defesa da família e para a criação de condições laborais que não excluam o apoio à família.
Por outro lado, a ANFN tem feito exercer a sua acção junto das autarquias. Aliás, segundo Fernando Castro, uma das autarquias do País acedeu criar «a tarifa familiar da água, nos termos em que a Associação a tem proposto».
A Associação garante que continuará a lutar junto das instituições no sentido de criar progressivamente condições de apoio para promover a família como um dos pilares da nossa sociedade.
Associação quer ver as empresas a promover a parentalidade: Retrato da família em Portugal é «desastroso» e, por isso, presidente da APFN defende que chegou o momento de haver uma «política familiar a sério»
Em 1994, a ONU consagrou o Ano Internacional da Família, sobre o tema "Família, Capacidades e Responsabilidades num Mundo em Transformação" e declarou a família como «a pequena democracia no coração da sociedade».
Direitos humanos, reforço das famílias, situação e necessidades das crianças, promoção das mulheres e erradicação da pobreza foram as grandes questões levantadas e que despertaram a consciência da necessidade de prestar atenção à dimensão familiar nos esforços de desenvolvimento.
Dez anos mais tarde, as Nações Unidas voltam a afirmar a importância de dar prosseguimento às celebrações e de conferir um novo ímpeto ao trabalho proposto em 1994.
Ao nível nacional, os governos são, então, convidados a formar comités coordenadores em parceria com outras organizações para a preparação, observação e fornecimento de informações à Assembleia-Geral da ONU.
O objectivo é rever os propósitos do Ano Internacional da Família e avaliar as realizações feitas, por forma a conseguir promover-se uma compreensão precisa destes assuntos, propor e iniciar acções e actividades e, particularmente, criar ambiente e capacidades institucionais em vários níveis, condutivos a estes esforços.
 
 
Ana Teresa Gouveia / Rosário Martins

WB00789_.gif (161 bytes)