Correio da Manhã - 19 Jan 04

Economia: conselhos do Governador do Banco de Portugal
A FÓRMULA ANTICRISE

Trabalhar mais, ter mais imigrantes, mais filhos e “descongelar” os aumentos salariais na Função Pública, são os trunfos enunciados por Vítor Constâncio para que Portugal e a Europa saiam da crise económica. Em entrevista à ‘Rádio Renascença’ e ao ‘Público’, o governador do Banco de Portugal mostrou a sua preocupação, não só pelo futuro do País, mas também pela estabilidade no continente europeu.

Marta Vitorino

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Sustentabilidade da Segurança Social preocupa Constâncio

“O aumento espectacular da esperança de vida das pessoas faz com que as atitudes perante o trabalho tenham que acompanhar essa mudança”, disse o governador do Banco de Portugal. Subjacente ao discurso de Constâncio esteve sempre a questão da sustentabilidade dos sistemas de Segurança Social. Um problema que atormenta o Velho Continente, à medida em que a média etária da sua população vai envelhecendo e há cada vez menos activos a descontar, para assegurar a reforma daqueles que já não trabalham.

A necessidade de trabalhar durante mais tempo, aceitar mais imigrantes e ter mais filhos enquadra-se nessa preocupação que já obrigou a profundas alterações no sistema da previdência em França e em Itália. Quanto à política salarial, Constâncio justifica o seu ‘timing’ (finais de 2004) com a inversão do ciclo económico: “a economia vai voltar a crescer e os portugueses vão consumir mais”, diz o governador. Esta convicção tem de ser sustentada no aumento do poder de compra dos 600 mil funcionários públicos que há quatro anos vêem os seus salários reais diminuir.

Para o líder parlamentar do PSD, Guilherme Silva as palavras do governador significam que “ele próprio sente que a economia portuguesa vai recuperar”. Em sentido contrário pronunciou-se o dirigente do Bloco de Esquerda Miguel Portas que considerou que o governador “tem tido uma posição de sustentação da política do governo e que por isso estas declarações vêm tarde.

IMIGRANTES ESTÃO A DAR LUCRO AO PAÍS

Todos os anos entram em Portugal cerca de cem mil estrangeiros, de forma legal ou ilegal, à procura de uma vida melhor. Há quem queira fechar-lhes a porta por achar que já são demais, pois já cá estão pelo menos meio milhão, oriundos de 180 países e a falar 230 línguas maternas.Esquecem-se que eles representam apenas 5% da população portuguesa, mas são já 10% da froça de trabalho. Sem eles, alguns sectores produtivos seriam seriamente afectados e a sustentabilidade da Segurança Social posta em causa. Portugal precisa dos imigrantes, porque eles, no final de contas, dão lucro: em 2002, os seus descontos para o Fisco e Segurança Social deram um saldo positivo de 250 milhões de euros. Junte-se a estes números o facto de que são eles, com o número de filhos que têm, garantem a renovação de gerações, contribuindo para o aumento da população portuguesa. Tal como disse o Presidente da República, Jorge Sampaio, na sua mensagem de Ano Novo: “Respeitar os imigrantes é um dever moral”.

TEMOS MENOS 50 MIL PARTOS POR ANO

Portugal está em défice demográfico de cerca de 800 mil indivíduos. Nos últimos 20 anos houve menos 50 mil nascimentos por ano.

“O País está preocupado porque morrem, em média, quatro pessoas por dia nas estradas mas devia ficar mais preocupado porque temos uma taxa de menos 50 mil partos por ano, o que corresponde a que haja menos cinco nascimentos por hora”, afirma ao CM Fernando Castro, da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas.

Nos Censos de 1981 a média de filhos por casal correspondia a 2,1 filhos, enquanto esse rácio é hoje de 1,4 filhos por casal. Os portugueses emigrantes em França têm 2,09 filhos por casal.

Fernando Castro critica a “desastrosa política familiar nos últimos 20 anos” com os casados a pagarem mais impostos. Um incentivo às famílias com filhos é a hipótese de deduzir no IRS 175 euros por cada filho, metade do que cada família de acolhimento recebe por cada criança, 350 euros.

CONTENÇÃO SALARIAL NÃO DEVIA TER EXISTIDO

O coordenador da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública (CGTP), Paulo Trindade, considera que Vítor Constâncio “tem uma visão muito tecnocrática da realidade do mundo do trabalho”. O governador do Banco de Portugal defende “apenas” que a contenção salarial não deve ir além de 2004, “quando este modelo nunca deveria ter existido”, sublinha Paulo Trindade. “Este modelo fomenta o descontentamento dos trabalhadores e leva à falta de motivação do factor humano”, acrescenta o sindicalista. Na realidade, diz, se tivessem existido aumentos reais dos salários e não perda de poder de compra, os funcionários públicos poderiam mesmo servir de alavanca à procura interna. Na opinião do dirigente sindical, a redução dos salários nos últimos anos “não resolveu qualquer problema estrutural da economia, antes pelo contrário”. Constâncio defende ainda trabalho durante mais anos, uma mensagem que já está a ser aplicada na prática, com o novo estatuto da aposentação, que põe travão nas reformas antecipadas.

TESTEMUNHOS

NICOLA E OKSANA: VOLTAR À UCRÂNIA

Os descontos de Nicola Vorobets para a Segurança Social e para as Finanças vão repetir-se nos tempos próximos. O ucraniano, de 37 anos, chegou há quatro anos e pretende ficar “mais dois ou três”, com a mulher, Oksana, que veio em 2001. “Depois voltamos para a Ucrânia”, explicam. Nicola recebe 380 euros por mês de salário-base numa vacaria em Sintra. “Agora está tudo bom, mas os primeiros anos foram muito difíceis”.

VIKTOR E LUDMILA: GANHAR DINHEIRO

“Procurar trabalho e ganhar dinheiro”. Assim resumem Viktor Zavinsky e Ludmila Zavinska, de 23 anos, as razões que os trouxeram a Portugal desde a Ucrânia. “Casámos, precisávamos de casa e lá é impossível poupar”, justificam. Os primeiros tempos de Viktor em Rio Maior foram terríveis. “Passei fome”, admite. Agora, com contrato de trabalho numa fábrica e salário de 600 euros, a situação mudou. Para regressar, “falta muito tempo”.

ANDRIY BILOUS

A estabilidade que encontrou permite a Andriy Bilous, de 32 anos, afirmar que pretende que os seus filhos venham a nascer em Portugal. Andriy trabalha numa fábrica no concelho de Santarém, onde vive, tal como a mulher. Chegado há três anos da Ucrânia, diz que por enquanto “é melhor viver cá”. Emprego não falta e forças também não. “Nós queremos trabalhar. Quem não tem trabalho volta para casa”, diz, sobre as quotas para imigrantes.

Miguel Alexandre Ganhão/José Rodrigues/Cristina Serra/Denise Fernandes

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