Marta
Vitorino |
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Sustentabilidade da Segurança Social preocupa Constâncio |
“O
aumento espectacular da esperança de vida das pessoas faz com que as
atitudes perante o trabalho tenham que acompanhar essa mudança”,
disse o governador do Banco de Portugal. Subjacente ao discurso de
Constâncio esteve sempre a questão da sustentabilidade dos sistemas
de Segurança Social. Um problema que atormenta o Velho Continente, à
medida em que a média etária da sua população vai envelhecendo e há
cada vez menos activos a descontar, para assegurar a reforma
daqueles que já não trabalham.
A necessidade de trabalhar durante mais tempo, aceitar mais
imigrantes e ter mais filhos enquadra-se nessa preocupação que já
obrigou a profundas alterações no sistema da previdência em França e
em Itália. Quanto à política salarial, Constâncio justifica o seu
‘timing’ (finais de 2004) com a inversão do ciclo económico: “a
economia vai voltar a crescer e os portugueses vão consumir mais”,
diz o governador. Esta convicção tem de ser sustentada no aumento do
poder de compra dos 600 mil funcionários públicos que há quatro anos
vêem os seus salários reais diminuir.
Para o líder parlamentar do PSD, Guilherme Silva as palavras do
governador significam que “ele próprio sente que a economia
portuguesa vai recuperar”. Em sentido contrário pronunciou-se o
dirigente do Bloco de Esquerda Miguel Portas que considerou que o
governador “tem tido uma posição de sustentação da política do
governo e que por isso estas declarações vêm tarde.
IMIGRANTES ESTÃO A DAR LUCRO AO PAÍS
Todos os anos entram em Portugal cerca de cem mil estrangeiros, de
forma legal ou ilegal, à procura de uma vida melhor. Há quem queira
fechar-lhes a porta por achar que já são demais, pois já cá estão
pelo menos meio milhão, oriundos de 180 países e a falar 230 línguas
maternas.Esquecem-se que eles representam apenas 5% da população
portuguesa, mas são já 10% da froça de trabalho. Sem eles, alguns
sectores produtivos seriam seriamente afectados e a sustentabilidade
da Segurança Social posta em causa. Portugal precisa dos imigrantes,
porque eles, no final de contas, dão lucro: em 2002, os seus
descontos para o Fisco e Segurança Social deram um saldo positivo de
250 milhões de euros. Junte-se a estes números o facto de que são
eles, com o número de filhos que têm, garantem a renovação de
gerações, contribuindo para o aumento da população portuguesa. Tal
como disse o Presidente da República, Jorge Sampaio, na sua mensagem
de Ano Novo: “Respeitar os imigrantes é um dever moral”.
TEMOS MENOS 50 MIL PARTOS POR ANO
Portugal está em défice demográfico de cerca de 800 mil indivíduos.
Nos últimos 20 anos houve menos 50 mil nascimentos por ano.
“O País está preocupado porque morrem, em média, quatro pessoas por
dia nas estradas mas devia ficar mais preocupado porque temos uma
taxa de menos 50 mil partos por ano, o que corresponde a que haja
menos cinco nascimentos por hora”, afirma ao CM Fernando Castro, da
Associação Portuguesa de Famílias Numerosas.
Nos Censos de 1981 a média de filhos por casal correspondia a 2,1
filhos, enquanto esse rácio é hoje de 1,4 filhos por casal. Os
portugueses emigrantes em França têm 2,09 filhos por casal.
Fernando Castro critica a “desastrosa política familiar nos últimos
20 anos” com os casados a pagarem mais impostos. Um incentivo às
famílias com filhos é a hipótese de deduzir no IRS 175 euros por
cada filho, metade do que cada família de acolhimento recebe por
cada criança, 350 euros.
CONTENÇÃO SALARIAL NÃO DEVIA TER EXISTIDO
O coordenador da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública
(CGTP), Paulo Trindade, considera que Vítor Constâncio “tem uma
visão muito tecnocrática da realidade do mundo do trabalho”. O
governador do Banco de Portugal defende “apenas” que a contenção
salarial não deve ir além de 2004, “quando este modelo nunca deveria
ter existido”, sublinha Paulo Trindade. “Este modelo fomenta o
descontentamento dos trabalhadores e leva à falta de motivação do
factor humano”, acrescenta o sindicalista. Na realidade, diz, se
tivessem existido aumentos reais dos salários e não perda de poder
de compra, os funcionários públicos poderiam mesmo servir de
alavanca à procura interna. Na opinião do dirigente sindical, a
redução dos salários nos últimos anos “não resolveu qualquer
problema estrutural da economia, antes pelo contrário”. Constâncio
defende ainda trabalho durante mais anos, uma mensagem que já está a
ser aplicada na prática, com o novo estatuto da aposentação, que põe
travão nas reformas antecipadas.
TESTEMUNHOS
NICOLA E OKSANA: VOLTAR À UCRÂNIA
Os descontos de Nicola Vorobets para a Segurança Social e para as
Finanças vão repetir-se nos tempos próximos. O ucraniano, de 37
anos, chegou há quatro anos e pretende ficar “mais dois ou três”,
com a mulher, Oksana, que veio em 2001. “Depois voltamos para a
Ucrânia”, explicam. Nicola recebe 380 euros por mês de salário-base
numa vacaria em Sintra. “Agora está tudo bom, mas os primeiros anos
foram muito difíceis”.
VIKTOR E LUDMILA: GANHAR DINHEIRO
“Procurar trabalho e ganhar dinheiro”. Assim resumem Viktor Zavinsky
e Ludmila Zavinska, de 23 anos, as razões que os trouxeram a
Portugal desde a Ucrânia. “Casámos, precisávamos de casa e lá é
impossível poupar”, justificam. Os primeiros tempos de Viktor em Rio
Maior foram terríveis. “Passei fome”, admite. Agora, com contrato de
trabalho numa fábrica e salário de 600 euros, a situação mudou. Para
regressar, “falta muito tempo”.
ANDRIY BILOUS
A estabilidade que encontrou permite a Andriy Bilous, de 32 anos,
afirmar que pretende que os seus filhos venham a nascer em Portugal.
Andriy trabalha numa fábrica no concelho de Santarém, onde vive, tal
como a mulher. Chegado há três anos da Ucrânia, diz que por enquanto
“é melhor viver cá”. Emprego não falta e forças também não. “Nós
queremos trabalhar. Quem não tem trabalho volta para casa”, diz,
sobre as quotas para imigrantes.
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