Público - 13 Jan 04

Velhice e Siglas
Por NUNO PACHECO

No passado domingo, na revista PÚBLICA, uma reportagem intitulada "Só à espera" dava conta da situação dramática vivida por muitos idosos a braços com o abandono, a solidão e a consciência de uma forçada e paralisante inutilidade. "Quase tudo os empurra para mais perto do fim", escrevia a autora, e os testemunhos que recolheu confirmavam essa triste e desamparada evidência em quotidianos vazios. "Não tenho ninguém", dizia uma voz. Têm o silêncio, que iludem com a televisão, e a morte à espera, sem prazo fixo.

Hoje, voltamos ao universo dos idosos, mas desta vez para dar conta de uma realidade que se adivinhava: os lares que os abrigam não preenchem, na sua maioria, as condições necessárias para quem sejam mais do que armazéns de gente à espera de deixar de ser gente. Um estudo de 2001, entretanto arrefecido por meses de espera, conclui que grande parte dos lares de idosos legalizados (dos outros nem se fala, mas imagina-se o pior) responde "apenas à satisfação de necessidades básicas", alimentação e higiene. O resto, que poderia dar algum sentido aos últimos anos de vida de milhares de pessoas, fica para mais tarde. Para quando estiverem mortos. Aliás, supõe-se que é para isso mesmo que os depositam em lares: para morrerem. Muitas famílias, mesmo as mais abastadas, preferem afastá-los por razões de ordem prática: falta de tempo, falta de espaço, falta de laços. Qualquer pretexto serve, até para abandoná-los nos hospitais (disso já falámos, com detalhe, em tempo oportuno) quando precisam de viajar ou festejar a vida longe deles. Por isso um terço dos idosos internados nos centros legais não recebe visitas nem as espera. O estudo já referido, que será hoje divulgado ao público (ver págs. 2 a 4), refere que os idosos tendem, mesmo assim, a desculpar os familiares por terem falta daquilo que a eles, na sua solidão, lhes sobra: tempo. Por isso os internados em lares procuram criar falsos parentescos nos assistentes sociais que deles cuidam, tratando-os como se fossem os filhos que na verdade já não têm. Por isso, apesar de muitos saberem o que os espera, há milhares que se acotovelam nas lista de espera de lares sobrelotados e deficientes.

Para consolo das estatísticas, entretanto, a situação melhorou. Já não há tantos casos de perigo iminente como havia há duas décadas (foram fechados em seis anos mais de 200 lares perigosos) e não faltam siglas para acolher o tecnocrático trabalho de dar a tudo isto forma de estudos, relatórios e conclusões. O PA (Plano Avô) de 2001 transmutou-se em PAS (Plano de Auditoria Social) com a ajuda do CID (Crianças Idosos e Deficientes), que aos idosos juntou crianças e deficientes por achar (provavelmente bem) que todos são vítimas de maus tratos e que, por isso, urge investigar e relatar com maior abrangência. Os idosos continuam, entretanto, à espera. Bom seria que não fosse apenas da morte.

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