Diário de Notícias - 12 Jan 04

Limites
Francisco Sarsfield Cabral

Seguindo a tradição nacional de atacar problemas redigindo leis, reclamam-se disposições legais, e até constitucionais, para evitar que a liberdade de expressão manche o bom nome das pessoas. É a solução fácil - com o pequeno inconveniente de não solucionar coisa alguma. O problema não está nas leis ou na falta delas. Por exemplo, a actual legislação sobre os deveres da comunicação social em matéria de segredo de justiça é razoável - só que não é cumprida. Todos os dias se viola o segredo de justiça... porque a justiça não funciona. E quando foram penalizadas as televisões por violarem a privacidade e a dignidade de vítimas de desastres?

Não é propriamente hábito nosso aplicar leis, que aliás produzimos em abundância. Por falta de coragem e de sentido de Estado. Acresce, aqui, que a comunicação social infunde receio, desde logo nos políticos. Veja-se a fraca autoridade da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Como jornalista, esta situação não me envaidece - desgosta-me. Durante mais de dez anos escrevi nos jornais sob a censura do anterior regime. Hoje não seria capaz de o fazer. Mas reconheço que algum jornalismo vem passando as marcas, não respeitando nada nem ninguém - e não só no processo Casa Pia. Ora, se muitos jornalistas, e empresas de comunicação social, não assumem as responsabilidades éticas que decorrem do poder que têm, então não é de espantar que surjam propostas para limitar a liberdade de expressão. Se já há quem recorde a censura com saudade, deveriam os jornalistas começar por olhar para si próprios, reparando em quanto contribuem para essa nostalgia. Seria melhor do que simplisticamente agitarem a bandeira do direito de informar, como se ele não tivesse limites.

WB00789_1.gif (161 bytes)