Público - 6 Jan 04
Sampaio Faz "Apelo Veemente" à Contenção
Por JOÃO PEDRO HENRIQUES
O Presidente da República (PR) fez ontem um "apelo veemente" aos
"profissionais da comunicação social" e aos "agentes da Justiça" para que
"passem a actuar com maior contenção e maior reserva" e "assim contribuam
para que os tribunais possam fazer aquilo que só a eles compete -
administrar a justiça".
Numa comunicação ao país transmitida pelas 20h00 - e anunciada poucas
horas antes às redacções - o Presidente reagiu ao facto de ter sido
noticiado no passado dia 1, pelo Jornal de Notícias, que o seu nome fora
referenciado no caso por uma carta anónima anexada ao processo pelo
Ministério Público.
Para Jorge Sampaio, a "sistemática violação do segredo de justiça" e a
"confrontação mediática dos vários operadores judiciários" são "um risco
demasiado grave para um apuramento genuíno de responsabilidades" e
"impõe-se pôr-lhe cobro". "É essa justiça que devemos aos arguidos; e,
sobretudo, às vítimas, para que a reboque de habilidosas estratégias ou de
irregularidades instrumentais, não lhes seja feita essa última e
intolerável injúria que seria condenar inocentes ou absolver culpados."
Duas sugestões...
A mensagem contém ainda dois apelos de destinatário não especificado. Ou
melhor: duas sugestões.
A primeira é sobre a "indispensabilidade" de "serem emitidas instruções
por quem de direito" (não diz quem, mas pode-se presumir que seja o
procurador-geral da República) para que, "no estrito respeito da lei,
evitem, no futuro, inúteis e sempre irreparáveis lesões do bom nome e
reputação das pessoas".
A segunda sugestão é para que "sejam criadas, de imediato, condições para
que a acusação já proferida e as provas que a acompanhem possam vir a ser
julgadas por aquilo que elas valham - repito, por aquilo que elas valham
-, e não pelos erros procedimentais, sejam da acusação, sejam da defesa,
ou mesmo de magistrados judiciais". "E isto - acrescentou o Presidente -
na medida em que tais erros, se enfraquecem a credibilidade técnica dos
seus responsáveis, podem em nada interferir com a verdade ou a falsidade
das culpas imputadas aos arguidos."
A abrir a comunicação, o Presidente garante que não emite "quaisquer
juizos sobre a culpa ou a inocência de quem quer que seja" ou interfere,
"por qualquer forma, na marcha do processo". Mas "acontece" que "a marcha
do processo, ou melhor dizendo, a sua ilegítima divulgação", veio
"interferir com o Chefe de Estado e o respeito que lhe é devido."
...e uma ameaça
Isto porque - acrescentou - "no passado dia 1 de Janeiro, um jornal de
referência, aliás o único que se publicava nesse dia [o Jornal de
Notícias], deu nota, com grande destaque, e em violação do segredo de
justiça, da existência no mesmo processo, de uma carta anónima, em que é
insultuosamente envolvido o Presidente da República, com o alarido
mediático a que a notícia veio dar lugar".
A esta explicação seguiu-se mais um recado enigmático, ou seja, sem alvo
específico (o JN? o autor da carta anónima, se for descoberto? o autor da
fuga de informação?): "Trata-se de crimes que terão de ser punidos, na
sede e no momento próprios, pois não é legítimo que o Chefe de Estado
deixe passar em claro ofensas que têm as mais graves consequências no
respeito e consideração que são devidas ao Presidente da República."
Esta foi a segunda mensagem de Jorge Sampaio a propósito do processo Casa
Pia. A primeira aconteceu quando o seu nome acabou por ser envolvido no
caso, por via da divulgação de escutas telefónicas ao secretário-geral do
PS, Ferro Rodrigues. A de ontem foi concluída com o Presidente a recordar
que tem o "dever" de "garantir" o Estado de Direito, "sem o qual ficam em
risco as instituições da República e o seu funcionamento". |