Público - 5 Jan 04
O Que Fizemos da Escola?
Três meses de experiência na aplicação de novos programas no ensino
secundário e conversas com colegas de ofício em Braga, Figueira da Foz,
Coimbra e Beja acrescem a legitimidade no levantamento de questões
relacionadas com objectivos, conteúdos (natureza, adequação, interligação,
utilidade, pertinência...) e metodologias, inseridos numa filosofia geral
de educação.
Como é sabido, muitas pessoas contestaram com veemência o escândalo da
inclusão dos regulamentos do Big Brother em manuais escolares de
Português. Tantos e tão fundos protestos levaram a respectiva editora a
vir a público prometer a corrigenda do livro. Porém, o mal maior não está
especificamente naquele manual mas nas orientações ministeriais que o
tornaram possível. Tanto é assim que outro manual da mesma disciplina, da
autoria de Ana Isabel Serpa e outros, editado pela Areal Editores, traz
nas páginas 64 e 65 horóscopos de um conhecido astrólogo das nossas
televisões, com indicação do nome do autor e respectivo endereço
electrónico (novas técnicas publicitárias?), e aparentemente ninguém se
escandalizou o suficiente para denunciar o facto.
Entretanto, na área das ciências (Matemática, Físico-Química,
Biologia-Geologia), os conselhos de turma do final do período não
revelaram professores mais motivados e entusiasmados. Antes pelo
contrário. Todos se queixaram da extensão e da articulação de conteúdos e
da desigualdade na atribuição de tempos supervenientes a diferentes turmas
do mesmo ano, cuja eficácia, por outro lado, ninguém realçou (recomenda-se
que se usem para dar mais matéria...). Alguns grupos disciplinares
decidiram-se já por cortes nos programas, mesmo sem qualquer cobertura
hierárquica. Uma professora de Matemática, mais dada ao humor, informou
que agora começa a ditar o sumário ainda no corredor. Também disse que os
novos programas parecem feitos para alimentar a acção de explicadores e,
curiosamente, ninguém discordou. Já o autor destas linhas fez questão de
deixar claro que o programa de Biologia mais parece feito para impedir que
os alunos aprendam...
Quanto aos alunos, os extraordinariamente bons conseguem ultrapassar
quaisquer obstáculos, os bons que podem pagar ajuda também conseguem e os
razoáveis e os mais fracos estão condenados à ignorância, podendo ser
submetidos àquelas estratégias de remediação e modalidades de avaliação
cujo mérito é poupar-nos a estatísticas ainda mais escabrosas. Tudo isto
gera uma escola que grande parte dos alunos valoriza como espaço de
encontro e diversão, mas onde não há respeito pela instituição nem pela
figura do professor, e se traduz em atitudes que incluem o namoro com
intimidade exposta, fumo sem restrições, calão ordinário, para não falar
de outras coisas... É claro que nem tudo é mau nas escolas, mas o mal que
existe é mau de mais.
Temos sido incapazes de definir, de modo claro e simples, o que queremos
da escola. Ao Estado confiámos a prerrogativa de decidir o que os nossos
filhos devem aprender e como. Falhámos. A realidade mostra que é viável
para a generalidade dos alunos a aprendizagem em não mais que meia dúzia
de disciplinas obrigatórias, onde se exija um trabalho cognitivo sério e
rigoroso, devendo haver áreas ocupacionais inteiramente facultativas,
sujeitas à procura de quem realmente as deseje ou que nelas ocupe o seu
tempo. Exceptue-se a prática de exercício físico ou desporto, que deve ser
obrigatória, mas expurgada de aulas teóricas, manuais e testes escritos.
As mudanças agora introduzidas não melhoraram o que tínhamos. As
metodologias e a organização a que nos obrigam têm a mesma validade dos
horóscopos. Só não têm é tanta gente a acreditar. E ainda bem.
José Batista da Ascenção
Braga |