Diário de Notícias - 04 Jan 03
A sedução da imortalidade
Mário Bettencourt Resendes
Haverá, por certo, cientistas dedicados à investigação dos processos de
clonagem que se empenham movidos por causas nobres. É o que se passa, por
exemplo, com os trabalhos ligados à medicina, em particular à cirurgia de
transplantes, onde se poderão conseguir enormes avanços, susceptíveis de
ultrapassar os problemas complexos da rejeição.
As notícias mais recentes sobre clonagem apontam, no entanto, para um rumo
perigoso e irresponsável. Em pano de fundo está a eterna obsessão humana
pela imortalidade, neste caso relacionada com perspectivas de um negócio
altamente rentável.
Para além dos planos ético e religioso, onde a questão levanta enorme
controvérsia, um mínimo de senso comum aconselha a que se tomem medidas
de regulamentação e controlo, concertadas a nível
internacional. É preciso impedir que investigadores sem
ética e negociantes sem escrúpulos se candidatem à função
imprevisível de aprendizes de feiticeiro.
A evolução da vida no planeta acelerou de forma exponencial desde o
aparecimento do homo sapiens. Se comprimirmos em 24 horas os biliões de
anos que tem a Terra, o tempo a que corresponde a espécie
humana resume-se aos últimos 40 segundos. Tendo em conta
o abismo que separa as cavernas dos «prédios
inteligentes» do século XXI _ e tudo o resto..._, percebe-se que as
potencialidades do nosso racional prometem «admiráveis mundos novos».
Ora a história fornece-nos exemplos inúmeros de manipulação de avanços
científicos, com consequências que se procuram justificar confundindo o
interesse colectivo com a tentação totalitária.
O caminho mais seguro para a imortalidade tem a ver com a forma de vida que
se escolhe. E com a capacidade de transmitir às gerações que se seguem um
conjunto de valores que contribuam para um mundo melhor.

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