Público - 16 Jan 03
Galinhas Poedeiras
Por LUÍS COSTA
O Governo de Lisboa que se acautele, não vá a União Europeia lembrar-se de
produzir uma directiva do mesmo género, mas destinada a proteger as pessoas.
Estava o Governo posto no seu descanso, orgulhoso pelo cumprimento das metas do
défice orçamental, e eis que Bruxelas veio estragar a festa. De novo, e sem que
tivessem passado sequer as primeiras duas semanas de 2003.
Fazendo tábua-rasa do próprio Presidente da República, que na sua mensagem de
Ano Novo não se esqueceu de sublinhar terem sido postas em prática "políticas de
emergência destinadas a assegurar a credibilidade do compromisso europeu de
Portugal", a União Europeia volta a lançar o cutelo sobre as cabeças lusas.
Definitivamente, temos o nosso crédito malparado nas instâncias comunitárias. De
exemplar bom aluno europeu, passámos rapidamente a alvo constante dos ultimatos
emanados da capital belga.
Desta feita, é por causa das galinhas, um motivo menos nobre do que o Pacto de
Estabilidade e Crescimento, como até os mais fervorosos defensores dos animais
serão capazes de reconhecer. Tudo serve, até as galinhas, para que o Governo
leve puxões de orelhas.
Pois acontece que a Comissão Europeia decidiu tomar medidas contra cinco
Estados-membros, entre os quais Portugal, por ainda não terem aplicado uma
directiva destinada a proteger as galinhas poedeiras, que são aquelas que põem
ovos, como toda a gente sabe. Os nossos companheiros de infortúnio são a
Áustria, a Bélgica, a Grécia e Itália. E se nos próximos dois meses mantiverem a
situação de incumprimento, os países em causa terão de responder perante o
Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
Para que os leitores fiquem possuidores de toda a informação (até porque o
PÚBLICO escondeu a notícia no canto inferior de uma página par), refira-se que
Bruxelas obriga a que as gaiolas sejam melhoradas, designadamente equipando-as
com "poleiros, ninhos e superfície de cama que permitam debicar e esgravatar".
Tudo isto numa superfície de 750 centímetros quadrados, por gaiola e por
galinha.
Não é que as galinhas mereçam a nossa desconsideração, mas haverá certamente
causas mais elevadas e socialmente relevantes a justificar esta insistente
pressão de Bruxelas. Além do mais, receio que este ultimato possa estar
relacionado com alguma forma de pressão política, por causa da intransigência
portuguesa em torno da revisão da Política Agrícola Comum.
Seja como for, seria sensato que o Governo de Lisboa se acautelasse, não vá a
União Europeia lembrar-se de produzir uma directiva do mesmo género, mas
destinada a proteger as pessoas. E obrigando todos os portugueses a terem "uma
superfície de cama" e uma casa condigna para habitar. Tudo isto numa superfície
de, pelo menos, nove metros quadrados. Por quarto de dormir e por pessoa.
Agora mais a sério: o ultimato da Comissão Europeia chegou a Portugal
acompanhado de um "parecer fundamentado". É legítimo, e cabe no âmbito das suas
competências, que o comissário europeu responsável pela Saúde e Defesa do
Consumidor, David Byrne, queira proteger de modo mais eficaz "o bem-estar de
galinhas mantidas em baterias e noutros sistemas de criação". No entanto, mesmo
na sua área de actuação, David Byrne poderia definir outras prioridades para
sustentar um ultimato ao Estado português.
Até porque, em Portugal, a cultura de exigência dos consumidores deixa muito a
desejar na comparação directa com a maioria dos parceiros europeus. O que
facilita a tarefa do Estado, que normalmente dá a sua missão por cumprida quando
legisla "à europeia". Isto sem cuidar da aplicação prática dessas leis, ou da
sua eficaz fiscalização, porque não tem meios, porque não tem como fazê-lo,
porque a burocracia não deixa, porque sempre foi assim, ou, pura e simplesmente,
porque não quer.
Esteja David Byrne descansado que, mais tarde ou mais cedo, a directiva das
galinhas será incorporada na ordem jurídica nacional. O que não quer dizer,
naturalmente, que as galinhas passem a ter gaiolas de 750 centímetros quadrados.

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