Diário de Notícias - 20 Jan 03
Ao menos, já acordam
João César das Neves
Toda a gente está de acordo que Portugal precisa de reformas. Mas ninguém
concorda sobre elas. Por isso, os últimos dias foram um marco histórico.
O Governo conseguiu acordo com a oposição sobre o
Programa de Estabilidade e Crescimento 2003/2006 (PEC) e
com os parceiros sociais sobre o Código de Trabalho. Um
consenso alargado em matérias tão importantes é quase um
milagre. As forças envolvidas merecem felicitações. Mas estes acordos são
importantes mais pelo simbolismo que pela eficácia. As reformas estão
longe de ser radicais. No PEC não se vê solução para o
excesso de funcionários públicos, problema central do
drama orçamental. Os números neste campo são
assustadores. Portugal tem quase 700 mil funcionários. Há um por cada 14
portugueses e um por cada seis hectares de terra agrícola. Deitados no
chão em fila, os burocratas são suficientes para cobrir a
distância do Porto a Faro, ida-e-volta. O número de
funcionários é mais do dobro das vacas leiteiras, o
quádruplo dos tractores e ultrapassa o das casas com ar
condicionado. São mais que todos portugueses viúvos e chegam para encher
sete vezes os cinemas nacionais. Mas a dinâmica é ainda mais preocupante.
O Governo anunciou com orgulho que em 2002 houve só
quatro mil novos funcionários (entradas líquidas das
saídas). Isso foi uma grande melhoria, porque em 2001 o
acréscimo fora de 45 mil. Mas pergunta-se, se havia um
excesso tão grande para que foram precisos mais quatro mil? E que andam a
fazer os 50 mil funcionários que não estavam lá no início de 2001, altura
em que tínhamos já um Estado com muito pessoal a mais? O
PEC afirma que o número de funcionários vai descer de 1,5
por cento ao ano, mas já foi dito que será sem
despedimentos, limitando apenas as admissões. Esta moderação é
uma afronta aos contribuintes. Entretanto, os sindicatos do sector, sem
entender que eles são as principais vítimas do excesso de funcionários,
tentam defender o indefensável. A sua Frente Comum, indignada, afirma que
«para o Governo e alguns fazedores de opinião pública são os
trabalhadores da Administração Pública a espécie a
abater». Se os quisessem mesmo abater, à taxa de um de
cinco em cinco minutos, levaria mais do dobro do período do
PEC. Mas o real problema é, antes, os prejuízos e empregos destruídos
pelos mais de 20 mil milhões de euros que eles nos custam
a manter activos a carimbar. Se as moedas de um euro
fossem postas em fila, esse montante cobriria muito mais
que a distância da Terra à Lua e era suficiente para dar
11 vezes a volta ao mundo no Equador. No que toca ao Código de Trabalho, as
medidas preconizadas ainda nos colocam muito atrás da flexibilidade da
legislação da Europa, a qual aliás está a ser ainda mais flexibilizada.
Mas nem a realidade, nem o acordo com patronato e UGT
impedem o PCP, a CGTP e outro grupos de fingirem que as
novas medidas constituem uma hecatombe. Até há membros da
Comissão Nacional Justiça e Paz, de que o actual Ministro da
Segurança Social e do Trabalho foi presidente, a considerar que o Código
tem «princípios legislativos imorais». Isto mostra duas
coisas importantes. Primeiro que não há em Portugal
instituição mais pluralista que a Igreja. Depois, que se
mantêm na Igreja alguns sectores conservadores que gostam de
lançar violentas condenações morais com ligeireza. Em conclusão, Portugal
ainda não tem verdadeiras reformas. Mas ao menos já há acordos.

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