Fórum da Família - 15 Jun 04

 

Uma lei em defesa da procriação

 

            Transcreve-se um artigo do Senador Riccardo Pedrizzi publicado em Secolo d’Italia (9 de Junho de 2004) com o qual responde ao editorial de Piero Ostellino em Corriere della Sera sobre a lei italiana de procriação medicamente assistida, recentemente aprovada.

 

            “Antes de mais nada, em homenagem à cansativa lengalenga do “turismo procriativo”, vejo-me na obrigação de salientar que, pela mesma lógica, deveremos legalizar a droga, para eliminar o turismo do chuto na Suíça ou na Holanda. Ou legalizar a pedofilia, para evitar o turismo sexual nos países orientais.

 

            O argumento segundo o qual qualquer coisa que é consentida no estrangeiro também tem que o ser em Italia carece de sentido. Além disso, sustentar que a normativa em questão faz discriminação entre ricos e pobres ou entre homens e mulheres é, conceptualmente, equívoco e desviante. Um filho, com efeito, não é um bem de consumo, nem uma conquista: um filho é um dom.

 

            Contra a tendência para subordinar o agir humano ao princípio do utilitarismo e do prazer, o mérito desta lei está em reafirmar que o direito não coincide com os desejos individuais e que o facto de desejar alguma coisa não confere o direito de a ter. Não existe o direito “ao” filho. Existe, pelo contrário, o direito “do” filho: à vida, à família, a um crescimento psicofísico harmonioso, à identidade genética e psicológica.

 

            A fecundação artificial não é um método alternativo e complementar de procriar, ao qual possa aceder quem desejar, mas somente uma solução extrema (não a terapia) para uma infertilidade de um casal medicamente certificada, de acordo com um quadro de referência natural, axiológico (não confessional), sancionado também pela lei positiva, mediante a nossa Constituição.

 

            Aqui, faz sentido a seguinte reflexão: os que reclamam aos gritos liberdade de procriação para todos são os mesmos que sempre quiseram o aborto livre para todos. Da reivindicação de um direito inexistente a matar o filho, passam à reivindicação de um outro, igualmente inexistente, direito ao filho, considerando a criança como um objecto que, enquanto tal, se pode matar ou querer a todo o custo, de forma arbitrária.

 

            Quanto ao reconhecimento do concebido como sujeito jurídico, com a consequente proibição de toda a forma de experimentação e de manipulação do embrião, estamos perante um princípio de civilização. O mesmo se diz da definição “meta-científica” do embrião: são as ciências biológicas, não o Papa ou a Igreja, a dizer que a passagem do nada à existência se consuma no momento da fecundação. Desde esse instante existe uma nova célula humana, dotada de uma estrutura de informação específica, o genoma, que lhe confere uma identidade individual.

 

            Mas admitamos que não existia a certeza científica sobre o momento do início da vida: para exigir a proibição da destruição de embriões é suficiente a dúvida sobre a existência de um ser humano. Enquanto legisladores responsáveis, com efeito, não podemos agir na dúvida, em respeito ao princípio de precaução, e escolhemos a solução que garante a vida, com a mesma exaustão com que procuraríamos salvar naufragos ou os soterrados sob os escombros de um terramoto, pelas dúvidas de que ainda ali houvesse vidas. Porque esse princípio não pode valer só para a ecologia.

 

            Eis o motivo pelo qual a utilização de células estaminais para fins terapêuticos é um delito, absolutamente injustificado do ponto de vista científico, dado que as células estaminais do organismo adulto, do sangue, do cordão umbilical e de tecidos fetais provenientes de abortos espontâneos, têm revelado elevadas qualidades de totipotência, a par das embrionárias, demonstrando que para curar as pessoas e fazer progredir a ciência não é necessário o recurso a estas últimas. As possibilidades de cura oferecidas pelas células embrionárias estão ainda todas por demonstrar, pois os embriões clonados de células adultas podem apresentar anomalias genéticas, como ficou demonstrado com a ovelha Dolly.

 

            Estas experimentações, longe de serem fruto de uma biotecnologia de rosto humano, servem apenas para alimentar a esperança de uma florescente actividade bioindustrial.

            Obstinar-se a querer fazer crer que só as células estaminais extraídas do embrião são totipotentes e, portanto, prometem grandes resultados na cura de doenças de base genética ou degenerativa, significa propugnar uma impostura e perseguir fins meramente ideológicos, baseados na afirmação, acima de toda a dúvida, de que o embrião não é uma pessoa, mas sim um amontoado de células. Pelo contrário, o embrião é um de nós, ou, pelo menos, subsiste a dúvida de que seja, e não se pode matar um ser humano para curar outro.

 

            A lógica do mors tua vita mea e do canibalismo biológico é aberrante e para rejeitar. Sobretudo quando a ciência está em condições de encontrar formas de terapia através de outros procedimentos, que estão bem próximos: basta acreditar, investir na investigação e conduzir-se pela ética.

 

            Para rejeitar, portanto, a proposta de usar embriões já produzidos e congelados, justificada com o argumento de que como esses embriões já estão destinados a morrer podem ser utilizados para investigação científica. Não é verdade que os embriões já obtidos e congelados estejam condenados a morte certa: podem ser adoptados, como previa inicialmente a normativa em questão.

 

            Em todo o caso, afirmar como princípio que um ser humano destinado a morrer pode deixar de ser um fim para ser transformado num meio, abriria caminho a um processo de prevaricação de incalculáveis consequências negativas. Se os embriões congelados vão morrer, deixem-nos morrer em paz.

 

            Só então, e só se for possível certificar cientificamente a morte, além de todas as dúvidas razoáveis, se podem retirar as células estaminais. O valor da lei sobre procriação medicamente assistida, em última análise, consiste em sancionar um princípio fundamental: nem tudo o que é científica e tecnicamente possível é ética, social e juridicamente lícito e admissível.

 

            Estamos perante uma medida que diz não a certo tipo de ciência que, em vez de estar ao serviço da pessoa humana na sua dignidade ontológica, está ao serviço do utilitarismo e do hedonismo. Por isso, é uma lei para defender”. 

 

Fonte: Secolo d’Italia (9 de Junho de 2004)

Autor: Riccardo Pedrizzi

Tradução: Manuel Brás