O desastre do Estado-Educador João César das Neves
Portugal é um país extraordinário, cheio de sucessos
e coisas excelentes. Devemos amá-lo muito, até
porque tanta gente diz mal dele. Mas por vezes é
difícil não desanimar face aos disparates. Acaba de
ser publicado um livro que mostra como o Estado
viola repetidamente a lei e corrompe a liberdade num
dos campos mais decisivos para o desenvolvimento.
Sobre os direitos fundamentais de educação. Crítica
ao monopólio estatal da rede escolar (Universidade
Católica Editora, 2009), do professor Mário Pinto,
trata da liberdade de educação. Os pais têm o
direito de escolher a educação dos filhos e o Poder
tem de lhes dar os meios para isso. Este valor está
garantido na Constituição da República e
repetidamente assegurado na lei. Mas tais piedosos
propósitos pouco têm a ver com a realidade.
Sabia que, por exemplo, o Estado tem a obrigação de
"promover progressivamente o acesso às escolas
particulares em condições de igualdade com as
públicas"? (art. 4.º g) D-L 553/80 de 21 Nov.). A
não ser que a palavra "progressivamente" signifique
"nunca", a lei é flagrantemente desrespeitada.
A sensação generalizada na sociedade é que o ensino
particular é uma coisa para ricos. Não admira, pois
quem quiser escolher a escola dos filhos tem de
pagar duas vezes, nas propinas a educação dos seus e
nos impostos a educação dos outros. Isto até no
ensino obrigatório, que a lei diz dever ser
gratuito. Deste modo, o Estado recusa aos pobres a
liberdade que a Constituição lhe confia.
De onde vem a limitação? "Não é a Constituição, nem
a lei ordinária que impõem o monopólio escolar do
Estado de facto existente, designadamente o
monopólio do financiamento público; são as práticas
governativas e administrativas, aliás em
desobediência à lei" (p. 47). Sucessivos governos,
apesar da evidência da catástrofe educativa,
insistem em forçar o contrário da legislação.
Não se podem invocar razões económicas para tal,
pois, como Mário Pinto demonstra, "dado que o custo
médio por aluno na rede das escolas do Estado é mais
elevado do que o custo médio por aluno nas escolas
privadas (...), é mais económico para o Estado pagar
o ensino nas escolas privadas do que pagar o ensino
nas escolas estatais" (239). Acontece assim este
paradoxo de os pobres terem uma educação mais cara
que os ricos, com o Estado a esconder o facto e a
expandir a solução ruinosa.
O desastre não é de hoje. Portugal "desde o
despotismo iluminado viveu continuamente em regime
autoritário de Estado-educador" (30). Qual a razão
para tão flagrante e continuado desrespeito da lei e
liberdade? Mário Pinto mostra bem as terríveis
forças que o manobram: "Explicação para este
conservadorismo do modelo escolar é, sem dúvida, o
domínio de interesses corporativos muito fortes
sobre as sucessivas políticas governativas e
administrativas: desde logo, por parte da própria
Administração Escolar (que é uma antiga e poderosa
tecno-estrutura de poder burocrático da
Administração Pública); bem como dos sindicatos dos
professores (maioritariamente influenciados por
dirigentes defensores das carreiras públicas e de um
monopólio de Estado no sistema educativo), com
enorme interferência no Ministério da Educação; e,
ainda, da corrente universitária de tendência
construtivista iluminada, instalada nas escolas
superiores públicas de educação" (33). Subjacente a
isso está a irresistível atracção totalitária do uso
da educação como forma de controlo: a "tentação do
unitarismo, que patentemente inspira a concepção
estatista do ensino escolar, e detesta as escolas
privadas" (213).
Mas será que, monopolizado e centralizado, o sistema
de educação é bom? Não é antes a triste situação das
nossas escolas algo que os sucessivos governos
censuram aos antecessores e prometem emendar? Quando
agora se fala de educação sexual e das perversões
que alguns consideram educativas, a coisa fica
séria.
Portugal é um país extraordinário. Uma das coisas
mais impressionantes é a sua capacidade de
sobreviver e até ter sucessos excelentes apesar dos
disparates das elites.